Dia 14 setembro 2012 – 20h
Abertura do IV Festival Aberto
de Poesia falada de São Fidélis
Janelas Abertas nº 2
sim. Eu poderia abrir as portas que dão pra dentro
percorrer correndo corredores em silêncio
perder as paredes aparentes do edifício
penetrar os labirintos os labirintos d labirintos
dentro do apartamento
sim. eu poderia procurar por dentro a casa
andar uma por uma as sete moradas
na sala receber o beijo frio em minha boca
beijo de uma deusa morta
deus morto fêmea de língua gelada
língua gelada como nada
sim. eu poderia em cada quarto rever a mobília
em cada um matar um membro da família
até que a plenitude a morte coincidisse um dia
de qualquer jeito
mas eu prefiro abrir as janelas
pra que entrem todos os insetos (caetano veloso)
Líricas
é mais fácil cultuar os mortos que os vivos
mais fácil viver de sombras que de sóis
é mais fácil mimeografar o passado
que imprimir o futuro
não quero ser triste
como um poeta que envelhece
lendo Maiakovski na loja de conveniência
não quero ser alegre
como um cão que sai a passear
com o seu dono alegre sob o sol de domingo
nem quero ser estanque
como quem constrói estradas e não anda
quero no escuro
como um cego tatear estrelas distraídas
amoras silvestres no passeio público
amores secretos debaixo dos guarda-chuvas
tempestades que não param
para raios quem não tem mesmo que não vem o trem
não posso parar
vejo o mundo passar
como uma escola de samba que atravessa
pergunto onde estão teus tamborins
sentado na porta de minha casa
a mesma e única casa
a casa onde eu sempre morei (zeca baleiro)
Você só pensa em grana
você só pensa em grana meu amor
você só quer saber quanto custou a minha roupa
custou a minha roupa
você só quer saber quando é que eu vou
trocar meu carro novo por um outro carro novo
um outro carro novo meu amor
você rasga os poemas que te dou
mas nunca vi você rasgar dinheiro
você vai me jurar eterno amor
se um dia eu comprar o mundo inteiro
quando eu nasci um anjo só bashô
falou que eu seria um executivo
e desde então eu vivo com o meu
banjo executando os rocks do meu livro
pisando em falso com meus panos quentes
enquanto você ri no seu conforto
enquanto você me fala entre dentes
poeta bom meu bem poeta morto (zeca baleiro)
Nalgum Lugar
Nalgum lugar em que eu nunca estive
Alegremente além
De qualquer experiência
Teus olhos tem o seu silêncio
No teu gesto mais frágil
Há coisas que me encerram
Ou que eu não ouso tocar
Porque estão demasiado perto
Teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra
Embora eu tenha me fechado como dedos
Nalgum lugar
Me abres sempre pétala por pétala
como a primavera abre
Tocando sutilmente, misteriosamente
A sua primeira rosa
Sua primeira rosa
Ou se quiseres me ver fechado
Eu e minha vida
Nos fecharemos belamente, de repente
Assim como o coração desta flor imagina
A neve cuidadosamente descendo em toda a parte
Nada que eu possa perceber neste universo
Iguala o poder de tua intensa fragilidade
Cuja textura
Compele-me com a cor de seus continentes
Restituindo a morte e o sempre
Cada vez que respirar
Não sei dizer o que há em ti que fecha e abre
Só uma parte de mim compreende
Que a voz dos teus olhos
É mais profunda que todas as rosas
Ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão pequenas
(e e cummings – tradução: augusto de campos)
Orfeu nos quintos dos infernos
pra saber quem eu sou
preciso descer até o inferno
lá encontro o Homem do Nariz de Ferro
o mais tenebroso dos internos
jogo pôquer com o rei das profundezas
e com o escroque especialista em safadezas
vejo o velhaco encurralando a vil marmota
e o desespero do banqueiro em bancarrota
lá eu vejo a queda do império de ilusão
quem banca esperto logo sai sem um tostão
e quando volto do inferno, quase em farrapos
sou invencível, sou fogo sobre a relva
eu sou o matrimônio da luz e da treva
eu sou o barco e o barqueiro
o alvo, a flecha e o arqueiro
eu sou a mandíbulado tubarão
e o grito de dor do sufista
a mentira na manchete de jornal
e a bomba do atentado terrorista
eu sou a faca que atravessa
o peito do político traidor
e as ruínas queimadas do templo
do vigarista mercador
eu sou poeta e sigo em frente
em linhas tortas
eu não lido com palavras mortas ( ademir assunção)
O Coisa Ruim
me querem manso cordeiro
imaculado
sangrado no festim dos canibais
me querem escravo ordeiro serviçal
salário apertado no bolso
cego mudo e boçal
me querem rato acuado
rabo entre as pernas
medroso um verme pegajoso
mas eu sou osso duro de roer
caroço faca no pescoço
meremoto tufão furacão
mas eu sou cão
ladro mordo arreganho os dentes
insito a revolta dos deuses
toco fogo na cidade
qual nero
devasto o lero lero
entro em campo desempato
eu sou o que sangra
um poeta nato (ademir assunção)
Não Há Vagas
o preço do feijão
não cabe no poema
o preço do arroz
não cabe no poema
não cabem no poema
o gaz a luz o telefone
a sonegação do leite da carne
do açúcar e do pão
o funcionário público não cabe no poema
com sua vida de fome
sua vida fechada em arquivos
bem como não cabe no poema
o operário que esmerilha seu dia
de aço e carvão nas oficinas escuras
o poemas senhores está fechado
Não Há Vagas
só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço
o poema senhores:
não fede bem cheira (ferreira gullar)
lets play that´s
quando nasci um anjo torto
veio ler a minha mão
não era um anjo barroco
era um anjo louco torto
com asas de avião
e eis o que o anjo me disse
apertando a minha mão
com um sorriso entre os dentes
vá bicho desafinar o coro dos contentes
Dia D
desde que eu saí de casa
trouxe a viagem de volta
cravada na minha mão
enterrada no meu umbigo
dentro fora assim comigo
minha própria condução
todo dia é dia dela
pode ser pode não ser
abro a porta ou a janela
todo dia é dia D
há urubus nos telhados
a carne seca é servida
um escorpião encravado
na sua própria ferida
não escapa
só escapo pela porta de saída
todo dia mais um dia
de amar-te a morte morrer
todo do mais um dia
menos dia dia D
Literato Cantabile
agora não se fala nada
agora não se fala mais
toda palavra guarda uma cilada
e tudo é transparente em cada forma
qualquer palavra é um gesto
e em sua orla
os pássaros de sempre cantam
nos hospícios.
você não precisa me dizer
o número do mundo desse mundo
nem precisa me mostrar a outra face
face ao fim de tudo
só precisa me dizer
o nome da república dos fundos
o sim do fim
e o tem do tempo vindo
Andar Andei
não é o meu país
é uma sombra que pende concreta
do meu nariz em linha reta
não é minha cidade
é um sistema que invento
me transforma e que acrescento
à minha idade
nem é o nosso amor
é a memória que suja a história
que enferruja o que passou
não é você nem sou mais eu
adeus meu bem
(adeus adeus)
você mudou mudei também
adeus amor
adeus e vem
Cogito
eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível
eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora
eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim
eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranqüilamente
todas as horas do fim. (torquato neto)
Distraídos Venceremos
todo bairro um louco
que o bairro o trata bem
só falta mais um pouco
para eu ser tratado também
um dia desses quero ser
um grande poeta inglês
do século passado
dizer ó céu ó mar ó clã ó destino
lutar na índia em 1866
e sumir num naufrágio clandestino
bom dia poetas velhos
me deixem na boca
o gosto de versos
tão fortes que não farei
dia virá que vos saiba
tão bem que os cite
como quem tê-los
um tanto feitos também
acredite
entre a dívida externa
e a dúvida interna
meu coração comercial
alterna
quando olho nos olhos
sei quando uma pessoa
está por dentro
ou está por fora
quem está por fora
não sustenta um olhar
que demora
diante do meu centro
este poema me olha
ali se Alice ali se visse
quando Alice viu e não disse
se ali Alice dissesse
quanta palavra veio
e não desce
ali bem ali
dentro da Alice
só Alice com Alice
ali se parece (paulo leminski)
SagaraNagens Fulinaímicas
1.
guima
meu mestre guima
em mil perdões
eu vos peço
por esta obra encarnada
na carne cabra da peste
da hygia ferreira bem casta
aqui nas bandas do leste
a fome de carne é madrasta
ave palavra profana
cabala que vos fazia
veredas em mais sagaranas
a morte em vidas severinas
tal qual antropofagia
teu grande serTão vou cumer
nem joão cabral severino
nem virgulino de matraca
nem meu padrinho de pia
me ensinou usar faca
ou da palavra o fazer
a ferramenta que afino
roubei do meste drummundo
que o diabo giramundo
é o narciso do meu Ser
2.
Terra,
antes que alguém morra
escrevo prevendo a morte
arriscando a vida
antes que seja tarde
e que a língua
da minha boca
não cubra mais tua ferida
entre/aberto
em teus ofícios
é que meu peito de poeta
sangra ao corte das navalhas
e minha veia mais aberta
é mais um rio que se espalha
amada de muitos sonhos
e pouco sexo
deposito a minha boca no teu cio
e uma semente fértil
nos teus seios como um rio
o que me dói é ter-te
devorada por estranhos olhos
e deter impulsos por fidelidade
ó terra incestuosa
de prazer e gestos
não me prendo ao laço
dos teus comandantes
só me enterro à fundo
nos teus vagabundos
com um prazer de fera
e um punhal de amante
minha terra
é de senzalas tantas
enterra em ti
milhões de outras esperanças
soterra em teus grilhões
a voz que tenta – avança
plantada em ti
como canavial que a foice corta
mas cravado em ti
me ponho a luta
mesmo sabendo – o vão
estreito em cada porta
usina
mói a cana
o caldo e o bagaço
usina
mói o braço
a carne o osso
usina
mói o sangue
a fruta e o caroço
tritura suga torce
dos pés até o pescoço
e do alto da casa grande
os donos do engenho controlam
: o saldo e o lucro
3.
ainda que fosse viagem
de metrô ou fantasia
e o assunto que eu mais queria
fosse o que não dissesse
e o mar apenas trouxesse
gaivotas sobre os cabelos
vento sol maresia
e o líquido que não bebemos
fosse conhac ou cerveja
mesmo assim que a vida seja
entre o que os pelos lateja
o que a tua boca não fala
o que a tua língua não prova
e a prova das dezessete
te levasse mais cedo
inda assim não tenha medo
a palavra entre meus dedos
é o que ainda não disse
miragem essa coisa nova
agora revisitada
naquela hora marcada
do encontro que não tivemos
4.
essa estrada que vai dar
no mar dos teus mistérios
ou
essa estrada que vai dar
no mar dos teus silêncios
ou
apenas o caminho para o mar
na coluna vertebral
dos teus suplícios
ou
o poema puro ofício
de te oferecer amor, meu vício
e te querer estrada. Sim
5.
eu
poderia abrir teu corpo
com os meus dentes
rasgar panos e sedas
da tua cama
arrancar os cobertores
desatar todos os nós
com as unhas
arranhar os teus pudores
rasgando as rendas
dos lençóis
perpetuar a ferro e fogo
minhas marcas no teu útero
meus desejos imorais
mal/dizendo
a hora soberana
com a força sobre/humana
dos mortais
quando vens me oferecer
migalha e fruto
como quem dá de comer
aos animais
6.
silvinha. azul são os teus olhos
a cor dos pelos não conheço
teus seios ainda não toquei
dracena é uma terra roxa
nave extra terrena
que humanos não decifraram
pequena vagina virgem
onde os dedos ainda não entraram
e os cachos de uvas
apodrecem nos teus dentes
com um cheiro d leite ardente
esguichando na distância
7.
nossas palavras escorrem
pelo escorrer dos anos
estradas virtuais
fossem algaravias
nosso desejo que não se concreta
e
eu tenho a fome entre os dedos
a sede entre os dentes
e a língua sobre a escrita
que ainda não fizemos
e o que brota desse amor latente
se o desejo é tua boca
no lençol dos dias?
8.
fosse quântico esse dia
calmo claro intenso inteiro
20 de fevereiro
sendo assim esperaria
mesmo que em meio a tarde
TROVOADAS tempestades
insanidades guerras frias
iniqüidades
angústias
agonia
mesmo assim esperaria
20 horas
20 noites
20 anos
20 dias
até quando esperaria?
até que alguém percebesse
que mesmo matando o amor
o amor não morreria
9.
queimando em Mar de Fogo me Registro
lá no fundo do teu íntimo
bem no branco do meu nervo
brota uma onde de sal e líquido
procurando a porta do teu cais
teu nome já estava cravado nos meus dentes
desde quando Sísifo olhava no espelho
primeiro como Mar de Fogo
registro vivo das primeiras Eras
segundo como Flor de Lótus
cravado na pele da flor primavera
logo depois gravidez e parto
permitindo o Logus
quando o amor quisera
10.
a face oculta da maçã
duas partes que se abrem pêssego
campo de girassóis teus pelos
alvoroçados sob o sol de Amsterdã
enquanto isso
em teus mamilos penso
o que ainda não comi desta maçã
11.
não sou iluminista nem pretender
eu quero o cravo e a rosa
cumer o verso e a prosa
devorar a lírica a métrica
a carne da musa
seja branca negra amarela
vermelha verde ou cafuza
eu sou do mato
curupira carrapato
sou da febre sou dos ossos
sou da Lira do Delírio
São Virgílio é o meu sócio
Pernambuco Amaralina
vida breve ou sempre vida/severina
sendo mulher ou só menina
que sendo santa prostituta
ou cafetina devorar é minha sina
e profanar é o meu negócio
12.
beber desse conhac em tua boca
para matar a febre nas entranhas
entredentes
indecente é uma forma que te como
bebo ou calo
e se não falo quando quero
na balada ou no bolero
não é por falta de desejo
é que a fome desse beijo
furta outra qualquer palavra presa
como caça indefesa
dentro da carne que não sai
13.
por enquanto
vou te amar assim em segredo
como se o sagrado fosse
o maior dos pecados originais
e minha língua fosse
só furor dos Canibais
e essa lua mansa fosse faca
a afiar os versos que inda não fiz
e as brigas de amor que nunca quis
mesmo quando o projeto
aponta outra direção embaixo do nariz
e é mais concreto
que a argamassa do abstrato
por enquanto vou te amar assim
admirando teu retrato
enquanto penso minha idade
e o que trago da cidade
embaixo as solas dos sapatos
o que trago
embaixo as solas dos sapatos é fato
bagana acesa
sobra do cigarro é sarro
dentro do carro ainda ouço Jimmi Hendrix
quando quero
dancei bolero sampleAndo rock and roll
prá colher lírios
há que se por o pé na lama
a seda pura foto-síntese do papel
tem Flor de Lótus nos bordéis Copacabana
procuro um mix da guitarra de Santana
com os espinhos da Rosa de Noel
15.
por quê trancar as portas
tentar proibir as entradas
se já habito os teus cinco sentidos
e as janelas estão escancaradas ?
um beija flor risca no espaço
algumas letras de um alfabeto grego
signo de comunicação indecifrável
eu tenho fome de terra
e esse asfalto sob a sola dos meus pés
agulha nos meus dedos
quando piso na Augusta
o poema dá um tapa na cara da Paulista
flutuar na zona do perigo
entre o real e o imaginário
João Guimarães Rosa Caio Prado Martins Fontes
um bacanal de ruas tortas
eu não sou flor que se cheire
nem mofo de língua morta
o correto deixei na cacomanga
matagal onde nasci
com os seus dentes de concreto
São Paulo é quem me devora
e selvagem devolvo a dentada
na carne da rua Aurora
16. moro no teu mato dentro
não gosto de estar por fora
tudo que me pintar eu invento
como o beijo no teu corpo agora
desejo-te pelo menos enquanto resta
partícula mínima micro solar floresta
sendo animal da Mata Atlântica
quântico amor ou meta física
tudo o que em mim não há respostas
metáfora d'alquimim fugaz Brazílica
beijo-te a carne que te cobre os ossos
pele por pele pelas tuas costas
os bichos amam em comunhão na mata
como se fosse aquela hora exata
em que despes de mim o ser humano
do corpo rasgamos todo pano
e como um deus pagão pensamos sexo.
17.
por onde quer que eu te cantasse
devorasse amasse ou comesse
não bastaria o poema
por onde então começasse
Jura Secreta que fosse
palavra indiscreta escrevesse
meus dentes em teu corpo deixasse
a língua onde quer que lambesse
não bastariam meus dedos em riste
lavrando a carne onde berras
se queimas no inferno de Dante
e não sabes ver que o amante
é o SER transpirado da Terra
18.
de Almada vou de atravessar o Tejo
barco à vela Portugal afora
em Lisboa vou compor um fado
e cantar no Porto feito um blues
rasgado de amor pela senhora
que me espera em paz
e todo vinho que eu beber agora
será como beijo que eu guardei inteiro
como um marinheiro que retorna ao cais
19.
com os dentes
cravados na memória
soletro teu nome:
C a b o F r i o
barco bêbado
naufragado
fora do teu cais
caminho marítimo
por onde talvez
já passou meu pai
20.
devemos não ter pressa
a lâmina acesa sob o esterco de Vênus
onde me perco mais me encontro menos
de tudo o que não sei
só fere mais quem menos sabe
sabre de mim baioneta estética
cortando os versos do teu descalabro
visto uma vaca triste como a tua cara
estrela cão gatilho morro:
a poesia é o salto de um vara
disse-me uma vez só quem não me disse
ferve o olho do tigre enquanto plasma
letal a veia no líquido do além
cavalo máquina meu coração quando engatilho
devemos não ter pressa
a lâmina acesa sob os demônios de Eros
onde minto mais porque não veros
fisto uma festa mais que tua vera
cadela pão meu filho forro:
a poesia é o auto de uma fera
devemos não ter pressa
a lâmina acesa sob os panos quem incesta ?
perfume o odor final do melodrama
sobras de mim papel e resma
impressão letal dos meus dedos imprensados
misto uma merda amais que tua garra
panela estrada grão socorro:
a poesia é o fausto de uma farra
21.
de Dante a Chico Buarque
todos os poetas
já cantaram suas musas
Beatriz são muitas
Beatriz são quantas
Beatriz são todas
Beatriz são tantas
algumas delas na certa
também já foram cantadas
por este poeta insano e torto
pra lhes trazer o desconforto
do amor quando bandido
Beatriz são nomes
mas este de quem vos falo
não revelo o sobrenome
está no filme sagrado
na pele do acetato
na memória do retrato
Beatriz no último ato
da Divina Comédia Humana
quando deita em minha cama
e come do fruto proibido
21.
o amor
não é apenas um nome
que anda por sobre a pele
um dia falo letra por letra
no outro calo fome por fome
é que a pele do teu nome
consome a flor da minha pele
cravado espinho na chaga
como marca cicatriz
eu sou ator ela esfinge:
Clarice/Beatriz:
assim vivemos cantando
fingindo que somos decentes
para esconder o sagrado
em nossos profanos segredos
se um dia falta coragem
a noite sobra do medo
é que na sombra da tatuagem
sinal enfim permanente
ficou pregando uma peça
em nosso passado presente
o nome tem seus mistérios que
se escondem sob panos
o sol é claro quando não chove
o sal é bom quando de leve
para adoçar desenganos
na língua na boca na neve
o mar que vai e vem não tem volta
o amor é a coisa mais torta
que mora lá dentro de mim
teu céu da boca é a porta
onde o poema não tem fim
22.
por que te amo
e amor não tem pele nome ou sobrenome
não adianta chamar
que ele não vem quando se quer
porque tem seus próprios códigos e segredos
mas não tenha medo
pode sangrar pode doer
e ferir fundo
mas é razão de estar no mundo
nem que seja por segundo
por um beijo mesmo breve
por que te amo
no sol no sal no mar na neve
23.
eu sou drummundo
e me confundo na matéria amorosa
posso estar na fina flor da juventude
ou atitude de uma rima primorosa
e até na pele/pedra quando me invoco
e me desbundo baratino
e então provoco um barafundo Cabralino
e meto letra no meu verso
estando prosa
e vou pro fundo
do mais fundo
o mais profundo
mineral Guimarães Rosa
24.
o rio com seus mistérios
molha meu cio em silêncio
desejo o que nos separa
a boca em quantos minutos
as flores soltas na fala
o pó dos ossos dos anos
você me diz não ter pressa
seus olhos fogo na sala
o beijo um lance de dados
cuidado cuidado cuidado
que sou um anjo de fadas
não beije assim meus segredos
meus olhos faróis nos riachos
meus braços dois afluentes
pedaços do corpo do rio
meus seios ilhas caladas
das chamas não conhece o pavio
se você me traz para o cio
assim que o sexo aflora
esta palavra apavora
o beijo dado mais cedo
quebra meu ser no espelho
meu cerne é carne de vidro
na profissão dos enredos
quanto mais água me sinto
presa ao lençol dos seus dedos
o rio retrata meu centro
na solidão de mim mesma
segundo a segundo nas águas
lá onde o sol é vazante
lá onde a lua é enchente
lá onde o rio é estrada
onde coloca seus versos
me encontro peixe e mais nada
25.
vasa sob meus pés um Rio das Ostras
as minhas mãos em conchas
passeiam o mangue dos teus seios
e provocam o fluxo do teu sangue
os caranguejos olham admirados
a volúpia dos teus cios
quando me entregas o que traz
por entre as praias
e permites desatar
todos os nós do teu umbigo
transbordando mar de búzios
oceanos - atlântico pulsar entre dois corpos
que se descobrem peixes -
e mergulham profundezas
qualquer que seja a hora
em que se beijam num pontal
em comunhão total com a natureza
26.
Cezane não pintava flores
montado em seu cavalo alado
despeja cores
no corpo da mulher amada
com os pincéis
encravados entre as coxas
transformou Hollandas
em quintais de vento
reINventou o tempo
na hora de pintar
27.
a lavra da palavra quero
quando for pluma
mesmo sendo espora
felicidade uma palavra
onde a lavra explora
se é saudade dói mas não demora
e sendo fauna linda como a Flora
lua Luanda vem não vá embora
se for poema fogo do desejo
quando for beijo que seja como agora
28.
a lavra da palavra quero
seja pele pluma onde Mayara bruma
já me diz espero
saliva na palavra espuma
onde tua lavra é uma
elétrica pulsação de Eros
a dança do teu corpo vero
onde tu alma luna
e o meu corpo empluma
valsa por Laguna em beijos e boleros
29.
te beijo vestida de nua
somente a lua te espelha
nesta lagoa vermelha
Porto Alegre cais do porto
barcos navios no teu corpo
os peixes brincam no teu cio
nus teus seios minhas mãos
as rendas finas que vestias
sobre os teus pêlos ficção
todos os laços dos tecidos
e àquela cor do teu vestido
a pura pele agora é roupa
o sabor da tua língua
e o baton da tua boca
tudo antes só promessa
agora hóstia entre os meus dentes
e para espanto dos decentes
te levo ao ato consagrado
se te despir for só pecado
é só pecar que me interessa
30.
amei uma mulher que não era
mas era como se fosse
como se fosse terra
como se fosse água
como se fosse fogo
como se fosse ar
como se fosse mata
como se fosse mar
como se fosse céu
como se fosse chuva
como se fosse chão
não era uma vera ficher
mas era como se fosse
não era a débora secco
mas era como se fosse
nem carolina dickman
mas era como se fosse
não era nicole kidman
mas era como se fosse
nem marieta severo
mas era como se fosse
não era uma imperatriz
mas o nosso castelo de areia
era como se fosse
Minas do Rei Salomão
amei esta mulher feliz
que era como se fosse
atriz de televisão
31.
quero dizer que ainda arde
tua manhã em minha tarde
a tua noite no meu dia
tudo em nós que já foi feito
com prazer ainda faria
quero dizer que ainda é cedo
ainda tenho um samba/enredo
tudo em nós é carnaval
é só vestir a fantasia
quero ser teu mestre sala
e você porta/bandeira
quando chegar na quarta feira
a gente inventa outra fulia
32.
fosse esta menina Monalisa
ou se não fosse apenas brisa
diante da menina dos meus olhos
com esse mar azul nos olhos teus
não sei se MichelÂngelo
Da Vinci Dalí ou Portinari te anteviram
no instante maior da criação
pintura de um arquiteto grego
quem sabe até filha de Zeus
e eu Narciso amante dos espelhos
procuro um espelho em minha face
para ver se os teus olhos
já estão dentro dos meus
33.
eu te desejo flores lírios brancos
margaridas girassóis rosas vermelhas
e tudo quanto pétala
asas estrelas borboletas
alecrim bem-me-quer e alfazema
eu te desejo emblema
deste poema desvairado
com teu cheiro teu perfume
teu sabor teu suor tua doçura
e na mais santa loucura
declarar-te amor até os ossos
eu te desejo e posso :
palavrArte até a morte
enquanto a vida nos procura
34.
o tecido do amor já esgarçamos
em quantos outubros nos gozamos
agora que palavro itaocaras
e persigo outras ilhas
na carne crua do teu corpo
amanheço alfabeto grafitemas
quantas marés endoidecemos
e aramaico permaneço doido e lírico
em tudo mais que me negasse
flor de lótus flor de cactos flor de lírios
ou mesmo sexo sendo flor ou faca fosse
Hilda Hilst quando então se me amasse
ardendo em nós salgado mar e Olga risse
olhando em nós flechas de fogo se existisse
por onde quer que eu te cantasse ou amavisse
35.
fosse o que eu quisesse
apenas um beijo roubado em tua boca
dentro do poema nada cabe
nem o que sei nem o que não se sabe
e o que não soubesse
do que foi escrito
está cravado em nós
como cicatriz no corte
entre uma palavra e outra
do que não dissesse
36.
não fosse o teu amor
o meu conforto
e eu teu anjo torto
como seria
se a jura secreta
não fosse mais que um poema
e se eu não te amasse
como Glauber no cinema
o que tenho aqui
no corpo em transe: a quem daria?
37.
como alcançá-la plena
no impulso onde universo pulsa
no poema onde estico plumo
onde o nervo da palavra cresce
onde a linha que separa a pele
é o tecido que o teu corpo veste
como alcançá-la pluma
nessa teia que aranha tece
entre um beijo outro no mamilo
onde aquilo que a pele em plumo
rompe a linha do sentido e cresce
onde o nervo da palavra sobe
o tecido do teu corpo desce
onde a teia que o alcançar descobre
no sentido que o poema é prece
38.
a minha língua de fogo
persegue tua língua na fala.
não sei me calar na cozinha
no quarto corredor ou na sala
a minha linguagem de luas
é o que na língua resvala
se tenho os pés calejados
se tenho as mãos inda tontas
e a língua bêbada de noites
dos dias que que miragens não vi
minutos que metáforas se calam
são como favelas vazias
e os olhos perdidos na vala
no líquido que vem das veias
a minha língua se farta
e bebe o teu como água
quando se chupa uma bala
39.
girassóis pousando
nu teu corpo
festa
beija-flor seresta
poesia fosse
esse sol que emana
do teu fogo farto
lambuzando a uva
de saliva doce
40.
meus lábios em teus ouvidos
flechas netuno cupido
a faca na língua a língua na faca
a febre em patas de vaca
as unhas sujas de Lorca
cebola pré sal com pimenta
tempero sabre de fogo
na tua língua com coentro
qualquer paixão re/invento
o corpo/mar quando agita
na preamar arrebenta
espuma esperma semeia
sementes letra por letra
na bruma branca da areia
sem pensar qualquer sentido
grafito em teu corpo despido
poemas na lua cheia
41.
a noite inteira invento joplin na fagulha
jorrando cocker na fornalha
funkrEreção fel fala
fábio parada de Lucas é logo ali
trilhando os trilhos centrais do braZil.
rajadas de sons cortando os ínfimos
poemas sonoros foram feitos para os íntimos
conkretude versus conkrEreção
relâmpagos no coice do coração.
quando ela canta eleonora de lennon
lilibay sequestra a banda no castelo de areia
quando ela toca o esqueleto de Lorca
salta do som em movimento enquanto houver
e federika ensaia o passo que aprendeu com mallarmé
punkrEreção pancada onde estão nossos negrumes?
nunkrEreção negróide nada.
descubro o irado Tião Nunes
para o banquete desta zorra
e vou buscar em Madureira
a Fina Flor do Pau Pereira.
antes que barro vire borra
antes que festa vire forra
antes que marte vire morra
antes que esperma vire porra,
ó baby a vida é gume
ó mather a vida é lume
ó lady a vida é life!
42.
ouvidos negros Miles
trumpete nos tímpanos
era uma criança forte
como uma bola de gude
era uma criança mole
como uma gosma de grude
tanto faz quem tanto não me fez
era uma ant/versão de blues
nalguma nigth noite uma só vez
ouvidos brack rumo premeditando o breque
Sampa midinigth ou aversão de Brooklin
não pense aliterações em doses múltiplas
pense sinfonia em rimas raras
assim quando despertas do massificado
ouvidos vais ficando dançarina cara
ao ter-te arte nobre minha musa Odara
ao toque dos tambores ecos sub/urbanos
elétricos negróides urbanóides gente
galáxias relances luzes sumos pratos
delícias de iguarias que algum deus consente
aos gênios dos infernos que ardem arte
misturas de comboios das tribos mais distantes
de múltiplas metades juntas numa parte
43.
se eu não beber teus olhos
não serei eu nem mais ninguém
quando tocar tua boca
desço garganta mais além
quando roçar teu íntimo
onde o ser é mais intenso
jura secreta não penso
bebo em teus cios também
44.
por mais que te amar seja uma zorra
eu te confesso amor pagão
não tem de ter perdão prá nós
eu quero mais é teu pudor de dama
despetalando em meus lençóis
e se tiver que me matar que seja
e se eu tiver que te matar que morra
em cada beijo que te der amando
só vale o gozo quando for eterno
infernizando os céus
e santificando a boca do inferno
45.
o que é que mora em tua boca bia
um deus um anjo ou muitos dentes claros
como os olhos do diabo
e uma estrela como guia?
o que é que arde em tua boca bia
azeite sal pimenta e alho
um cheiro azedo de cozinha
tua boca é como a minha?
o que é que pulsa em tua boca bia?
mar de eternas ondas
que covardes não navegam
rio de águas sujas onde os peixes se apagam
ou um fogo cada vez mais Dante
como este em minha boca
de poeta/delirante
nesta noite cada vez mais dia
em que acendo os meus infernos
em tua boca boca bia?
46.
só me queira assim caçado
mestiço vadio latino
leão feroz cão danado
perturbando os eu destino
só me queira enfeitiçado
veloz macio felino
em pelo nu depravado
em tua cama sol à pino
só me queira encapetado
profanando àqueles hinos
malandro moleque safado
depravando os teus meninos
só me queira desalmado
cão algoz e assassino
duplamente descarado
quando escrevo e não assino
47.
meto meus dedos cínicos
no teu corpo em fossa
proclamando o que ainda possa
vir a ser surpresa
porque amor não tem essa
de cumer na mesa
é caçador e caça
mastigando na floresta
todo tesão que resta
desta pátria/indefesa.
ponho meus dedos cínicos
sobre tuas costas
vou lambendo bostas
destas botas neoBurguesas
porque meu amor não tem essa
de vir a ser surpresa
é língua suja/grossa/visceral/ilesa
pra lamber tudo o que possa
vomitar na mesa e me livrar da míngua
desta língua portuguesa
48.
quero botar no teu orkut
um negócio sem vergonha
um poema descarado
tá chegando fevereiro
e meu Rio de Janeiro
fica lindo mascarado
quero botar no teu e-mail
um negócio por inteiro
que eu não sou Zeca Baleiro
pra ficar cantando a Mama
que ainda tem medo do Papa
meu negócio é só com a Mina
que me trampa quando trapa
meu negócio é só com a mina
que me canta ouvindo o Rappa
49.
ela tinha um jeito gal
fatal – vapor barato
toda vez que me trepava as unhas
como um gato
cantar era seu dom
chegava a dominar a voz
feito cigarra cigana ébria
vomitando doses do seu canto
uma vez só subiu ao palco
estrela no hotel das prateleiras
companheira de ratos
na pele de insetos
praticando a luz incerta
no auge do apogeu
a morte não é muito mais
que um plug elétrico
um grito de guitarra uma centelha
logo assim que ela começa
algo se espelha
na carne inicial de quem morreu
50.
quando tenso
o poema penso
fio suspenso
no AR
quando teso
o poema preso
peixe surpreso
no MAR
51.
em armação de búzios
tenho um amor sagrado
guardado como jura secreta
que ainda não fiz para laís
em teus cabelos girassóis de estrelas
que de tanto vê-las o meu olho vela
e o que tanto diz onda do mar não leva
da areia da praia onde grafei teu nome
para matar a sede e muito mais a fome
entranhada na carne como flor de lotus
grudada na pele como tatuagem
flutuando ao vento como leve pluma
no salgado corpo do além mar afora
sargaço em tua boca espuma
onde vivem peixes - na cumplicidade
do que escrevo agora
52.
não sou iluminista nem pretender
eu quero o cravo e a rosa
cumer o verso e a prosa
devorar a lírica a métrica
a carne da musa
seja branca negra amarela
vermelha verde ou cafuza
eu sou do mato
curupira carrapato
sou da febre sou dos ossos
sou da Lira do Delírio
São Virgílio é o meu sócio
Pernambuco Amaralina
vida breve ou sempre vida/severina
sendo mulher ou só menina
que sendo santa prostituta
ou cafetina devorar é minha sina
e profanar é o meu negócio
53.
Aqui,
redes em pânico
pescam esqueletos no mar
esquadras - descobrimento
espinhas de peixe convento
cabrálias esperas
relento
escamas secas no prato
e um cheiro podre no
AR
caranguejos explodem mangues em pólvora
Ovo de Colombo quebrado
areia branca inferno livre
Rimbaud - África virgem
carne na cruz dos escombros
trapos balançam varais
telhados bóiam nas ondas
tijolos afundando náufragos
último suspiro da bomba
na boca incerta da barra
esgoto fétido do mundo
grafando lentes na marra
imagens daqui saqueadas
Jerusalém pagã visitada
Atafona.Pontal.Grussaí
as crianças são testemunhas:
Jesus Cristo não passou por aqui
Miles Davis fisgou na agulha
Oscar no foco de palha
cobra de vidro sangue na fagulha
carne de peixe maracangalha
que mar eu bebo na telha
que a minha língua não tralha?
penúltima dose de pólvora
palmeira subindo a maralha
punhal trincheira na trilha
cortando o pano a navalha
fatal daqui Pernambuco
Atafona.Pontal.Grussaí
as crianças são testemunhas:
Mallarmè passou por aqui.
bebo teu fato em fogo
punhal na ova do bar
palhoças ao sol fevereiro
aluga-se teu brejo no mar
o preço nem Deus nem sabre
sementes de bagre no porto
a porca no sujo quintal
plástico de lixo nos mangues
que mar eu bebo afinal?
54.
terra de santa cruz
ao batizarem-te
deram-te o nome:
posto que a tua profissão
é abrir-te em camas
dar-te em ferro
ouro
prata
rios
peixes
minas
mata
deixar que os abutres
devorem-te na carne
o derradeiro verme
salgado mar de fezes
batendo na muralhas
do meu sangue confidente
quem botou o branco
na bandeira de alfenas
só pode ser canalha
na certa se esqueceu
das orações dos penitentes
e da corda que estraçalha
com os culhões de tiradentes
salve lindo pendão que balança
entre as pernas abertas da paz
tua nobre sifilítica herança
dos rendez-vous de impérios atrás
meu coração
é tão hipócrita que não janta
e mais imbecil que ainda canta:
ou
viram no ipiranga às margens plácidas
uma bandeira arriada
num país que não levanta
só desfraldando a bandeira tropicalha
é que a gente avacalha
com as chaves dos mistérios
dessa terra tão servil
tirania sacanagem safadeza
tudo rima uma beleza
com a pátria mãe que nos pariu
bem no centro do universo
te mando um beijo ó amada
enquanto arranco uma espada
do meu peito varonil
espanto todas estrelas
dos berços do eternamente
pra que acorde toda essa gente
deste vasto céu de anil
pois enquanto dorme o gigante
esplêndido sono profundo
não vê que do outro mundo
robôs te enrabam ó mãe gentil
telefonaram-me
avisando-me que vinhas
na noite uma estrela
ainda brigava contra a escuridão
na rua sob patas
tombavam homens indefesos
esperei-te 20 anos
ate hoje não vieste à minha porta
o poeta estraçalha a bandeira
raia o sol marginal quarta feira
na geléia geral brasileira
o céu de abril não é de anil
nem general é my brazil
minha verde/amarela esperança
portugal já vendeu para frança
e coração latino balança
entre o mar do dólar do norte
e o chão dos cruzeiros do sul
o poeta esfrangalha a bandeira
raia o sol marginal sexta feira
nesta porra estrangeira e azul
que há muito índio dizia:
meu coração marçal tupã
sangra tupy & rock and roll
meu sangue tupiniquim
em corpo tupinambá
samba jongo maculelê
maracatu boi bumbá
a veia de curumim
é coca cola & guaraná
o sangue rola no parque
o sonho ralo no tanque
nada a ver com tipo dark
e muito menos com punk
meu vício letal é baiafro
com ódio mortal de yank
ó baby a coisa por aqui não mudou nada
embora sejam outras siglas no emblema
espada continua a ser espada
poema continua a ser poema
55.
suassuna no teu corpo
couro de cor compadecida
ariano sábio e louco
inaugura em mim a vida
pedra de reino no riacho
gumes de atalhos na pedreira
pétala na mola do moinho
menina dos brincos de pérola
palavra acesa na fogueira
pós os ismos tudo é pós
na pele ou nas aranhas
na carne ou nos lençóis
no palco ou no cinema
a palavra que procuro
é clara quando não é gema
até furar os meus olhos
com alguma cascata de luz
devassa quando em mim transcende
a lamparina que acende
e transforma em mel o que era pus
56.
não.não bastaria a poesia de algum bonde
que despenca lua nos meus cílios
num trapézio de pingentes onde a Lapa
carregada de pivetes nos teus arcos
ferindo a fria noite como um tapa
vai fazendo amor por entre os trilhos
não bastaria a poesia cristalina
se rasgando o corpo estão muitas meninas
tentando a sorte em cada porta de metrô
e nós poetas desvendando palavrinhas
vamos dançando uma vertigemno tal circo voador
não bastaria todo riso pelas praças
nem o amor que os pombos tecem pelos milhos
com os pardais despedaçando nas vidraças
e as mulheres cuidando dos seus filhosnão.
não bastaria delirar Copacabana
e esta coisa de sal que não me engana
a lua na carne navalhando um charme gay
e um cheiro de fêmea no ar devorador
num corpo de anjo que não foi meu deus quem fez
esse gosto de coisa do inferno
como provar do amor no posto seis
numa mistura de feitiço e fantasia
entre as pedras e o mar do Arpoador
em altas ondas de mistérios que são vossos
não.não bastaria toda poesia que eu trago
em minha alma um tanto porca
este postal com uma imagem meio Lorca
um bondinho aterrisando lá na Urca
e esta cidade deitando água em meus destroços
pois se o Cristo Redentor deixasse a pedra
na certa nunca mais rezaria padre nossos
e na certa só faria poesia com os meus ossos
arturgomes