segunda-feira, 17 de setembro de 2012

IV Festival Aberto de Poesia Falada de São Fidélis - Resultado Final


fotos: artur gomes


Depois de um final de semana transpirando
poesia na cidade poema:  aqui
estamos de volta a goyta city, com o
 resultado do IV Festival Aberto de
Poesia Falada realizado pela Secretaria de
Cultura e Turismo de São Fidélis com o apoio
da Fulinaíma Produções

Atuaram na Comissão Julgadora entre outros:

Artur Gomes – poeta, ator, produtor cultural, vídeo maker
Jiddu Saldanha – ator, poeta, mímico, cineasta
Marcília Dutra – professor de teatro e dança na Escola Técnica de Arte, em Rio das Ostras e Fundação Zumbi dos Palmares em Campos dos Goytacazes
Thiago Eugênio – professor de literatura e língua portuguesas o CEDERJ
Kátia Valéria – professora de literatura e língua portuguesa no IFF campus-Campos-Guarus.

1º Lugar – Fazenda –
Autor: Edenilson Nascimento – Brasília-DF

O galo trazia a aurora.
E o cheiro de café quente
confortava os corações

No curral, o leite em neve
aquecia nossa espera
- crianças no seio da vida.

Um pouco além, ainda cedo,
meu pai deflorando a terra,
com seu arado de luz.

Minha mãe cerzia o tempo
com finos fios de ouro
nascidos de suas mãos.

Minha irmã se balançando,
pendurada nos dentes do dia,
na gangorra do bem-querer.

Minha avó, no quarto  de cima,
penteava nuvens rebeldes,
com dedos de esquecimento.

Os irmãos, tremeluzindo,
Nadávamos nus no riacho
- pássaros soltos no mundo.

E tios, vizinhos, amigos,
ao redor da fogueira
- pirilampos ao lusco fusco.

Os primos, vindos em bando:
e uma alcateia de gritos
riscava o ventre da noite.

Esse quadro ainda existe,
perdido em algum lugar,
na masmorra da memória.

Só não existe o menino,
que a cidade engoliu,
com seu hálito de enxofre.

2º Lugar – Poema Para Embalar Joana
Autor: Pedro Emílio de Almeida – São Fidélis-RJ

Quando Joana nasceu,
todas as estrelas
acordaram com ela
e em ciranda cantaram:

“Existe Bela-Joana
Existe Joana-Bela!”

Duas gotinhas de céu
pingaram nos olhos dela,
Joana tem cor de alvorada
e cabelos de luar.

Duas résteas de manhã
disseram nos lábios dela:
“Bela-Joana”  é serra
“Joana-Bela” é mulher.

Quando Joana sorriu,
todas as cores sorriram,
sorriram todas as flores,
até a tristeza sorriu.

Quando Joana andou
pisou leve, mansinho,
mas a primavera acordou
e os passarinhos cantaram:

“Existe Bela-Joana
existe Joana-Bela
Bela-Joana é serra
Joana-Bela é mulher!”

Quando Joana falou,
Um poema estava mudo
Joana acordou o verso
E as palavras rezaram:

- Joana cheia de graça!
- Joana cheia de luz!


3º Lugar – Construção
Autor: Luiz Otávio Oliani – Rio de Janeiro-RJ

a palavra é adaga
a cortar os pulsos

contra ela
milícias bombas
são inúteis

canhões não têm vez
sequer mordaças
a palavra não se cala
grita ejacula goza

a palavra é adaga
fere, mata
mas também é espera:
seu tempo é todo tempo


Melhor Intérprete
Eder Rodrigues – Pouso Alegre-MG
interpretando Aquele Velho Navio de sua autoria

“sigo quando o olho umedece por dentro apertura do mar”

Pela paz que as ignorãnças poemam,
colo um a um dos estilhaços
que sequer vão conformar meu reflexo
em estatura de barro ou vertigem de espelhos.

Não passei a vida tentando me desvendar,
a mercê dos tantos eus que a solidão coleciona.
Trago comigo só uma bússola quebrada,
com nortes incertos e nenhum pertence.

Demora, mas a vida se rende às dádivas do não chegar.
Sei pouco de lugar, raiz, pertencimento.
Meu coração foi criado no peito mesmo,
longe da didática dos rumos.

Meu desejo não pega carona.
Costuma ir a pé quando avista o interior das coisas.
Só mergulha quando se afrouxa o insuportável das vestes.
Já me livrei de lemas,
não engarrafo poemas e só furto poentes.

Sei que construíram deus de cimento e areia,
ainda que dessabe cada milímetro concreto
frente às dúvidas de quando o que se avermelha
em existência é o fundo das gentes
e não a altura dos santuários.

Pauso o movimento perpétuo da máquina do mundo
com o piar sucessivo dos pardais que ressuscitam a orgia
no escondido dos laranjais.

Há tempos deixei as escrituras
A estrutura do teto pelas chuvas de agosto
A terra em si que nunca me arranhou posses.

Sepultarei meus mortos no fundo do mar
onde mora um piano inventado que serve
de companhia quando a dor pesa séculos por dentro
aquém das superfícies.

Se o amor ficou fora de época
Desafio a moda lendo as linhas do corpo todo
e ainda dou aula de caligrafia para
umedecer a sutileza das cartas e o mistério da palavra.

Desculpa se meus certificados não tiveram parede
Se os bichos que estimo largo solto ao léu
Esquecimento faz parte do mundo
e na encruzilhada dos corpos,
perde quem não trilha pelos quatro cantos
onde os trens brincam de eternidade.

Despedida não faz parte de mim
Vim só para pedir tua bênção Pai Manoel
Ainda não encontrei aquele velho navio
Mas a arte me ensinou
a atravessar o mar dentro de um barco de papel.

Menção Honrosa – Intérprete –
Elena Evangelista – São Fidélis-RJ


Metáfora de Fogo

a língua lambe a palavra
na miragem meta física
metáfora de fogo
na ponte onde quase atravessamos
para a outra parte do poema
ela passeia
entre os fios elétricos da memória
onde as andorinhas
não conseguem decifrar
se eu desatar os lençóis do seu umbigo
desvendaremos as pirâmides do Egito
tocaremos infinito
pra  muito além do além mar

artur gomes

terça-feira, 11 de setembro de 2012

artur gomes poesia in concert



Dia 14 setembro 2012 – 20h
Abertura do IV Festival Aberto
 de Poesia falada de São Fidélis

Janelas Abertas nº 2

sim. Eu poderia abrir as portas que dão pra dentro
percorrer correndo corredores em silêncio
perder as paredes aparentes do edifício
penetrar os labirintos os labirintos d labirintos
dentro do apartamento

sim. eu poderia procurar por dentro a casa
andar uma por uma as sete moradas
na sala receber o beijo frio em minha boca
beijo de uma deusa morta
deus morto fêmea de língua gelada
língua gelada como nada

sim. eu poderia em cada quarto rever a mobília
em cada um matar um membro da família
até que a plenitude a morte coincidisse um dia
de qualquer jeito
mas eu prefiro abrir as janelas
pra que entrem todos os insetos (caetano veloso)


Líricas

é mais fácil cultuar os mortos que os vivos
mais fácil viver de sombras que de sóis
é mais fácil mimeografar o passado
que imprimir o futuro
não quero ser triste
como um poeta que envelhece
lendo Maiakovski na loja de conveniência
não quero ser alegre
como um cão que sai a passear
com o seu dono alegre sob o sol de domingo
nem quero ser estanque
como quem constrói estradas e não anda
quero no escuro
como um cego tatear estrelas distraídas
amoras silvestres no passeio público
amores secretos debaixo dos guarda-chuvas
tempestades que não param
para raios quem não tem mesmo que não vem o trem
não posso parar
vejo o mundo passar
 como uma escola de samba que atravessa
pergunto onde estão teus tamborins
sentado na porta de minha casa
a mesma e única casa
a casa onde eu sempre morei (zeca baleiro)


Você só pensa em grana

você só pensa em grana meu amor
você só quer saber quanto custou a minha roupa
custou a minha roupa
você só quer saber quando é que eu vou
trocar meu carro novo por um outro carro novo
um outro carro novo meu amor
você rasga os poemas que te dou
mas nunca vi você rasgar dinheiro
você vai me jurar eterno amor
se um dia eu comprar o mundo inteiro
quando eu nasci um anjo só bashô
falou que eu seria um executivo
e desde então eu vivo com o meu
banjo executando os rocks do meu livro
pisando em falso com meus panos quentes
enquanto você ri no seu conforto
enquanto você me fala entre dentes
poeta bom meu bem poeta morto (zeca baleiro)



Nalgum Lugar
 Nalgum lugar em que eu nunca estive
Alegremente além
De qualquer experiência
Teus olhos tem o seu silêncio
No teu gesto mais frágil
Há coisas que me encerram
Ou que eu não ouso tocar
Porque estão demasiado perto
Teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra
Embora eu tenha me fechado como dedos
Nalgum lugar
Me abres sempre pétala por pétala
como a primavera abre
Tocando sutilmente, misteriosamente
A sua primeira rosa
Sua primeira rosa
Ou se quiseres me ver fechado
Eu e minha vida
Nos fecharemos belamente, de repente
Assim como o coração desta flor imagina
A neve cuidadosamente descendo em toda a parte
Nada que eu possa perceber neste universo
Iguala o poder de tua intensa fragilidade
Cuja textura
Compele-me com a cor de seus continentes
Restituindo a morte e o sempre
Cada vez que respirar
Não sei dizer o que há em ti que fecha e abre
Só uma parte de mim compreende
Que a voz dos teus olhos
É mais profunda que todas as rosas
Ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão pequenas
(e e cummings – tradução: augusto de campos)



Orfeu nos quintos dos infernos

pra saber quem eu sou
preciso descer até o inferno

lá encontro o Homem do Nariz de Ferro
o mais tenebroso dos internos

jogo pôquer com o rei das profundezas
e com o escroque especialista em safadezas

vejo o velhaco encurralando a vil marmota
e o desespero do banqueiro em bancarrota

lá eu vejo a queda do império de ilusão
quem banca esperto logo sai sem um tostão

e quando volto do inferno, quase em farrapos
sou invencível, sou fogo sobre a relva

eu sou o matrimônio da luz e da treva

eu sou o barco e o barqueiro
o alvo, a flecha e o arqueiro

eu sou a mandíbulado tubarão
e o grito de dor do sufista

a mentira na manchete de jornal
e a bomba do atentado terrorista

eu sou a faca que atravessa
o peito do político traidor

e as ruínas queimadas do templo
do vigarista mercador

eu sou poeta e sigo em frente
em linhas tortas

eu não lido com palavras mortas ( ademir assunção)


O Coisa Ruim

me querem manso cordeiro
imaculado
sangrado no festim dos canibais

me querem escravo ordeiro serviçal
salário apertado no bolso
cego mudo e boçal

me querem rato acuado
rabo entre as pernas
medroso um verme pegajoso

mas eu sou osso duro de roer
caroço faca no pescoço
meremoto tufão furacão

mas eu sou cão
ladro mordo arreganho os dentes
insito a revolta dos deuses
toco fogo na cidade

qual nero
devasto o lero lero
entro em campo desempato

eu sou o que sangra
um poeta nato (ademir assunção)



Não Há Vagas

o preço do feijão
não cabe no poema

o preço do arroz
não cabe no poema

não cabem no poema
o gaz a luz o telefone
a sonegação do leite da carne
do açúcar e do pão

o funcionário público não cabe no poema
com sua vida de fome
sua vida fechada em arquivos

bem como não cabe no poema
o operário que esmerilha seu dia
de aço e carvão nas oficinas escuras

o poemas senhores está fechado
Não Há Vagas

só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço

o poema senhores:
não fede bem cheira (ferreira gullar)



lets play that´s


quando nasci um anjo torto
veio ler a minha mão
não era um anjo barroco
era um anjo louco torto
com asas de avião
e eis o que o anjo me disse
apertando a minha mão
com um sorriso entre os dentes
vá bicho desafinar o coro dos contentes



Dia D

desde que eu saí de casa
trouxe a viagem de volta
cravada na minha mão
enterrada no meu umbigo
dentro fora assim comigo
minha própria condução

todo dia é dia dela
pode ser pode não ser
abro a porta ou a janela
todo dia é dia D

há urubus nos telhados
a carne seca é servida
um escorpião encravado
na sua própria ferida
não escapa
só escapo pela porta de saída

todo dia mais um dia
de amar-te a morte morrer
todo do mais um dia
menos dia dia D



Literato Cantabile

agora não se fala nada
agora não se fala mais
toda palavra guarda uma cilada
e tudo é transparente em cada forma

qualquer palavra é um gesto
e em sua orla
os pássaros de sempre cantam
nos hospícios.


você não precisa me dizer
o número do mundo desse mundo
nem precisa me mostrar a outra face
face ao fim de tudo

só precisa me dizer
o nome da república dos fundos
o sim do fim
e o tem do tempo vindo


Andar Andei

não é o meu país
é uma sombra que pende concreta
do meu nariz em linha reta
não é minha cidade
é um sistema que invento
me transforma e que acrescento
à minha idade
nem é o nosso amor
é a memória que suja a história
que enferruja o que passou
não é você nem sou mais eu
adeus meu bem
(adeus adeus)
você mudou mudei também
adeus amor
adeus e vem

Cogito

eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível

 eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora

 eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim

 eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranqüilamente
todas as horas do fim. (torquato neto)



Distraídos Venceremos

todo bairro um  louco
que o bairro o trata bem
só falta mais um pouco
para eu ser tratado também

um dia desses quero ser
um grande poeta inglês
do século passado
dizer ó céu ó mar ó clã ó destino
lutar na índia em 1866
e sumir num naufrágio clandestino

bom dia poetas velhos
me deixem na boca
o gosto de versos
tão fortes que não farei
dia virá que vos saiba
tão bem que os cite
como quem tê-los
um tanto feitos também
acredite


entre a dívida externa
e a dúvida interna
meu coração comercial
alterna

quando olho nos olhos
sei quando uma pessoa
está por dentro
ou está por fora
quem está por fora
não sustenta um olhar
que demora
diante do meu centro
este poema me olha


ali se Alice ali se visse
quando Alice viu e não disse
se ali Alice dissesse
quanta palavra veio
e não desce
ali bem ali
dentro da Alice
só Alice com Alice
ali se parece (
paulo leminski)



 SagaraNagens Fulinaímicas


1.

guima
meu mestre guima
em mil perdões
eu vos peço
por esta obra encarnada
na carne cabra da peste
da hygia ferreira bem casta
aqui nas bandas do leste
a fome de carne é madrasta

ave palavra profana
cabala que vos fazia
veredas em mais sagaranas
a morte em vidas severinas
tal qual antropofagia
teu grande serTão vou cumer
nem joão cabral severino
nem virgulino de matraca
nem meu padrinho de pia
me ensinou usar faca
ou da palavra o fazer
a ferramenta que afino
roubei do meste drummundo
que o diabo giramundo
é o narciso do meu Ser

2.
Terra,
antes que alguém morra
escrevo prevendo a morte
arriscando a vida
antes que seja tarde
e que a língua
da minha boca
não cubra mais tua ferida
entre/aberto
em teus ofícios
é que meu peito de poeta
sangra ao corte das navalhas
e minha veia mais aberta
é mais um rio que se espalha
amada de muitos sonhos
e pouco sexo
deposito a minha boca no teu cio
e uma semente fértil
nos teus seios como um rio
o que me dói é ter-te
devorada por estranhos olhos
e deter impulsos por fidelidade
ó terra incestuosa
de prazer e gestos
não me prendo ao laço
dos teus comandantes
só me enterro à fundo
nos teus vagabundos
com um prazer de fera
e um punhal de amante
minha terra
é de senzalas tantas
enterra em ti
milhões de outras esperanças
soterra em teus grilhões
a voz que tenta – avança
plantada em ti
como canavial que a foice corta
mas cravado em ti
me ponho a luta
mesmo sabendo – o vão
estreito em cada porta
usina
mói a cana
o caldo e o bagaço
usina
mói o braço
a carne o osso
usina
mói o sangue
a fruta e o caroço
tritura suga torce
dos pés até o pescoço
e do alto da casa grande
os donos do engenho controlam
: o saldo e o lucro

3. 
ainda que fosse viagem
de metrô ou fantasia
e o assunto que eu mais queria
fosse o que não dissesse
e o mar apenas trouxesse
gaivotas sobre os cabelos
vento sol maresia
e o líquido que não bebemos
fosse conhac ou cerveja
mesmo assim que a vida seja
entre o que os pelos lateja
o que a tua boca não fala
o que a tua língua não prova
e a prova das dezessete
te levasse mais cedo
inda assim não tenha medo
a palavra entre meus dedos
é o que ainda não disse
miragem essa coisa nova
agora revisitada
naquela hora marcada
do encontro que não tivemos


4. 

essa estrada que vai dar
no mar dos teus mistérios
ou
essa estrada que vai dar
no mar dos teus silêncios
ou
apenas o caminho para o mar
na coluna vertebral
dos teus suplícios
ou
o poema puro ofício
de te oferecer amor, meu vício
e te querer estrada. Sim


5. 

eu
poderia abrir teu corpo
com os meus dentes
rasgar panos e sedas

da tua cama
arrancar os cobertores
desatar todos os nós

com as unhas
arranhar os teus pudores
rasgando as rendas
dos lençóis

perpetuar a ferro e fogo
minhas marcas no teu útero
meus desejos imorais

mal/dizendo
a hora soberana
com a força sobre/humana
dos mortais

quando vens me oferecer
migalha e fruto
como quem dá de comer
aos animais


6.

silvinha. azul são os teus olhos
a cor dos pelos não conheço
teus seios ainda não toquei
dracena é uma terra roxa
nave extra terrena
que humanos não decifraram
pequena vagina virgem
onde os dedos ainda não entraram
e os cachos de uvas
apodrecem nos teus dentes
com um cheiro d leite ardente
esguichando na distância


7. 

nossas palavras escorrem
pelo escorrer dos anos
estradas virtuais
fossem algaravias
nosso desejo que não se concreta

e
eu tenho a fome entre os dedos
a sede entre os dentes
e a língua sobre a escrita
que ainda não fizemos

e o que brota desse amor latente
se o desejo é tua boca
no lençol dos dias?


8. 

fosse quântico esse dia 
calmo claro intenso inteiro 
20 de fevereiro 
sendo assim esperaria 

mesmo que em meio a tarde 
TROVOADAS tempestades 
insanidades guerras frias 
iniqüidades 
angústias 
agonia 
mesmo assim esperaria 

20 horas 
20 noites 
20 anos 
20 dias 

até quando esperaria? 

até que alguém percebesse 
que mesmo matando o amor 
o amor não morreria 


9.

queimando em Mar de Fogo me Registro 
lá no fundo do teu íntimo 
bem no branco do meu nervo 
brota uma onde de sal e líquido 
procurando a porta do teu cais 

teu nome já estava cravado nos meus dentes 
desde quando Sísifo olhava no espelho 
primeiro como Mar de Fogo 
registro vivo das primeiras Eras 

segundo como Flor de Lótus 
cravado na pele da flor primavera 
logo depois gravidez e parto 
permitindo o Logus 
quando o amor quisera 


10. 

a face oculta da maçã 
duas partes que se abrem pêssego 

campo de girassóis teus pelos 
alvoroçados sob o sol de Amsterdã 

enquanto isso 
em teus mamilos penso 
o que ainda não comi desta maçã 



11.

não sou iluminista nem pretender 
eu quero o cravo e a rosa 
cumer o verso e a prosa 
devorar a lírica a métrica 
a carne da musa 
seja branca negra amarela 
vermelha verde ou cafuza 

eu sou do mato 
curupira carrapato 
sou da febre sou dos ossos 
sou da Lira do Delírio 
São Virgílio é o meu sócio 

Pernambuco Amaralina 
vida breve ou sempre vida/severina 
sendo mulher ou só menina 
que sendo santa prostituta 
ou cafetina devorar é minha sina 
e profanar é o meu negócio 



12. 

beber desse conhac em tua boca 
para matar a febre nas entranhas 
entredentes 

indecente é uma forma que te como 
bebo ou calo 

e se não falo quando quero 
na balada ou no bolero 
não é por falta de desejo 

é que a fome desse beijo 
furta outra qualquer palavra presa 
como caça indefesa 
dentro da carne que não sai 


13.

por enquanto 
vou te amar assim em segredo 
como se o sagrado fosse 
o maior dos pecados originais 

e minha língua fosse 
só furor dos Canibais 

e essa lua mansa fosse faca 
a afiar os versos que inda não fiz 
e as brigas de amor que nunca quis 

mesmo quando o projeto 
aponta outra direção embaixo do nariz 
e é mais concreto 
que a argamassa do abstrato 

por enquanto vou te amar assim 
admirando teu retrato 
enquanto penso minha idade 
e o que trago da cidade 
embaixo as solas dos sapatos 

o que trago 
embaixo as solas dos sapatos é fato 
bagana acesa 
sobra  do cigarro é sarro 
dentro do carro ainda ouço Jimmi Hendrix 
quando quero 
dancei bolero sampleAndo rock and roll 

prá colher lírios 
há que se por o pé na lama 
a seda pura foto-síntese do papel 

tem Flor de Lótus nos bordéis Copacabana 
procuro um mix da guitarra de Santana 
com os espinhos da Rosa de Noel 


15.

por quê trancar as portas 
tentar proibir as entradas 
se já habito os teus cinco sentidos 
e as janelas estão escancaradas ? 

um beija flor risca no espaço 
algumas letras de um alfabeto grego 
signo de comunicação indecifrável 
eu tenho fome de terra 
e esse asfalto sob a sola dos meus pés 
agulha nos meus dedos 

quando piso na Augusta 
o poema dá um tapa na cara da Paulista 
flutuar na zona do perigo 
entre o real e o imaginário 
João Guimarães Rosa Caio Prado Martins Fontes 
um bacanal de ruas tortas 

eu não sou flor que se cheire 
nem mofo de língua morta 
o correto deixei na cacomanga 
matagal onde nasci 

com os seus dentes de concreto 
São Paulo é quem me devora 
e selvagem devolvo a dentada 
na carne da rua Aurora 



16. moro no teu mato dentro 
não gosto de estar por fora 
tudo que me pintar eu invento 
como o beijo no teu corpo agora 

desejo-te pelo menos enquanto resta 
partícula mínima micro solar floresta 
sendo animal da Mata Atlântica 
quântico amor ou meta física 
tudo o que em mim não há respostas 

metáfora d'alquimim fugaz Brazílica 
beijo-te a carne que te cobre os ossos 
pele por pele pelas tuas costas 

os bichos amam em comunhão na mata 
como se fosse aquela hora exata 
em que despes de mim o ser humano 
do corpo rasgamos todo pano 
e como um deus pagão pensamos sexo. 


17.

por onde quer que eu te cantasse 
devorasse amasse ou comesse 
não bastaria o poema 
por onde então começasse 
Jura Secreta que fosse 
palavra indiscreta escrevesse 

meus dentes em teu corpo deixasse 
a língua onde quer que lambesse 

não bastariam meus dedos em riste 
lavrando a carne onde berras 
se queimas no inferno de Dante 

e não sabes ver que o amante 
é o SER transpirado da Terra 



18.

de Almada vou de atravessar o Tejo 
barco à vela Portugal afora 
em Lisboa vou compor um fado 
e cantar no Porto feito um blues 
rasgado de amor pela senhora 
que me espera em paz 

e todo vinho que eu beber agora 
será como beijo que eu guardei inteiro 
como um marinheiro que retorna ao cais 



19.

com os dentes 
cravados na memória 
soletro teu nome: 
C a b o F r i o 

barco bêbado 
naufragado 
fora do teu cais 

caminho marítimo 
por onde talvez 
já passou meu pai 



20.

devemos não ter pressa 
a lâmina acesa sob o esterco de Vênus 
onde me perco mais me encontro menos 

de tudo o que não sei 
só fere mais quem menos sabe 
sabre de mim baioneta estética 
cortando os versos do teu descalabro 

visto uma vaca triste como a tua cara 
estrela cão gatilho morro: 
a poesia é o salto de um vara 

disse-me uma vez só quem não me disse 
ferve o olho do tigre enquanto plasma 
letal a veia no líquido do além 
cavalo máquina meu coração quando engatilho 

devemos não ter pressa 
a lâmina acesa sob os demônios de Eros 
onde minto mais porque não veros 

fisto uma festa mais que tua vera 
cadela pão meu filho forro: 
a poesia é o auto de uma fera 

devemos não ter pressa 
a lâmina acesa sob os panos quem incesta ? 
perfume o odor final do melodrama 

sobras de mim papel e resma 
impressão letal dos meus dedos imprensados 
misto uma merda amais que tua garra 
panela estrada grão socorro: 
a poesia é o fausto de uma farra 


21.

de Dante a Chico Buarque 
todos os poetas 
já cantaram suas musas 

Beatriz são muitas 
Beatriz são quantas 
Beatriz são todas 
Beatriz são tantas 

algumas delas na certa 
também já foram cantadas 
por este poeta insano e torto 
pra lhes trazer o desconforto 
do amor quando bandido 

Beatriz são nomes 
mas este de quem vos falo 
não revelo o sobrenome 

está no filme sagrado 
na pele do acetato 
na memória do retrato 
Beatriz no último ato 
da Divina Comédia Humana 
quando deita em minha cama 
e come do fruto proibido 


21.

o amor 
não é apenas um nome 
que anda por sobre a pele 
um dia falo letra por letra 
no outro calo fome por fome 
é que a pele do teu nome 
consome a flor da minha pele 

cravado espinho na chaga 
como marca cicatriz 
eu sou ator ela esfinge: 
Clarice/Beatriz: 

assim vivemos cantando 
fingindo que somos decentes 
para esconder o sagrado 
em nossos profanos segredos 
se um dia falta coragem 
a noite sobra do medo 

é que na sombra da tatuagem 
sinal enfim permanente 
ficou pregando uma peça 
em nosso passado presente 

o nome tem seus mistérios que 
se escondem sob panos 
o sol é claro quando não chove 
o sal é bom quando de leve 
para adoçar desenganos 
na língua na boca na neve 

o mar que vai e vem não tem volta 
o amor é a coisa mais torta 
que mora lá dentro de mim 
teu céu da boca é a porta 
onde o poema não tem fim 


22.

por que te amo 
e amor não tem pele nome ou sobrenome 
não adianta chamar 
que ele não vem quando se quer 
porque tem seus próprios códigos e segredos 
mas não tenha medo 
pode sangrar pode doer 
e ferir fundo 
mas é razão de estar no mundo 
nem que seja por segundo 
por um beijo mesmo breve 
por que te amo 
no sol no sal no mar na neve 



23.


eu sou drummundo 
e me confundo na matéria amorosa 
posso estar na fina flor da juventude 
ou atitude de uma rima primorosa 

e até na pele/pedra quando me invoco 
e me desbundo baratino 
e então provoco um barafundo Cabralino 

e meto letra no meu verso 
estando prosa 
e vou pro fundo 
do mais fundo 
o mais profundo 
mineral Guimarães Rosa 


24.

o rio com seus mistérios 
molha meu cio em silêncio 
desejo o que nos separa 
a boca em quantos minutos 
as flores soltas na fala 
o pó dos ossos dos anos 

você me diz não ter pressa 
seus olhos fogo na sala 
o beijo um lance de dados 
cuidado cuidado cuidado 
que sou um anjo de fadas 
não beije assim meus segredos 

meus olhos faróis nos riachos 
meus braços dois afluentes 
pedaços do corpo do rio 
meus seios ilhas caladas 
das chamas não conhece o pavio 

se você me traz para o cio 
assim que o sexo aflora 
esta palavra apavora 
o beijo dado mais cedo 
quebra meu ser no espelho 
meu cerne é carne de vidro 
na profissão dos enredos 
quanto mais água me sinto 
presa ao lençol dos seus dedos 

o rio retrata meu centro 
na solidão de mim mesma 
segundo a segundo nas águas 
lá onde o sol é vazante 
lá onde a lua é enchente 
lá onde o rio é estrada 

onde coloca seus versos 
me encontro peixe e mais nada 



25.

vasa sob meus pés um Rio das Ostras 
as minhas mãos em conchas 
passeiam o mangue dos teus seios 
e provocam o fluxo do teu sangue 

os caranguejos olham admirados 
a volúpia dos teus cios 
quando me entregas o que traz 
por entre as praias 
e permites desatar 
todos os nós do teu umbigo 

transbordando mar de búzios 
oceanos - atlântico pulsar entre dois corpos 
que se descobrem peixes - 
e mergulham profundezas 
qualquer que seja a hora 
em que se beijam num pontal 
em comunhão total com a natureza 


26.

Cezane não pintava flores 
montado em seu cavalo alado 
despeja cores 
no corpo da mulher amada 

com os pincéis 
encravados entre as coxas 
transformou Hollandas 
em quintais de vento 

reINventou o tempo 
na hora de pintar 


27.

a lavra da palavra quero 
quando for pluma 
mesmo sendo espora 

felicidade uma palavra 
onde a lavra explora 
se é saudade dói mas não demora 
e sendo fauna linda como a Flora 
lua Luanda vem não vá embora 

se for poema fogo do desejo 
quando for beijo que seja como agora 


28.

a lavra da palavra quero 
seja pele pluma onde Mayara bruma 
já me diz espero 

saliva na palavra espuma 
onde tua lavra é uma 
elétrica pulsação de Eros 

a dança do teu corpo vero 
onde tu alma luna 
e o meu corpo empluma 
valsa por Laguna em beijos e boleros 


29.

te beijo vestida de nua 
somente a lua te espelha 
nesta lagoa vermelha 
Porto Alegre cais do porto 
barcos navios no teu corpo 
os peixes brincam no teu cio 
nus teus seios minhas mãos 

as rendas finas que vestias 
sobre os teus pêlos ficção 

todos os laços dos tecidos 
e àquela cor do teu vestido 
a pura pele agora é roupa 
o sabor da tua língua  
e o baton da tua boca 
tudo antes só promessa 
agora hóstia entre os meus dentes 

e para espanto dos decentes 
te levo ao ato consagrado 
se te despir for só pecado 
é só pecar que me interessa 


30.

amei uma mulher que não era 
mas era como se fosse 
como se fosse terra 
como se fosse água 
como se fosse fogo 
como se fosse ar 
como se fosse mata 
como se fosse mar 
como se fosse céu 
como se fosse chuva 
como se fosse chão 

não era uma vera ficher 
mas era como se fosse 
não era a débora secco 
mas era como se fosse 
nem carolina dickman 
mas era como se fosse 
não era nicole kidman 
mas era como se fosse 
nem marieta severo 
mas era como se fosse 

não era uma imperatriz 
mas o nosso castelo de areia 
era como se fosse 
Minas do Rei Salomão 

amei esta mulher feliz 
que era como se fosse 
atriz de televisão 


31.

quero dizer que ainda arde 
tua manhã em minha tarde 
a tua noite no meu dia 
tudo em nós que já foi feito 
com prazer ainda faria 

quero dizer que ainda é cedo 
ainda tenho um samba/enredo 
tudo em nós é carnaval 
é só vestir a fantasia 

quero ser teu mestre sala 
e você porta/bandeira 
quando chegar na quarta feira 
a gente inventa outra fulia 


32.

fosse esta menina Monalisa 
ou se não fosse apenas brisa 
diante da menina dos meus olhos 
com esse mar azul nos olhos teus 

não sei se MichelÂngelo 
Da Vinci Dalí ou Portinari te anteviram 
no instante maior da criação 
pintura de um arquiteto grego 
quem sabe até filha de Zeus 

e eu Narciso amante dos espelhos 
procuro um espelho em minha face 
para ver se os teus olhos 
já estão dentro dos meus 



33.

eu te desejo flores lírios brancos 
margaridas girassóis rosas vermelhas 
e tudo quanto pétala 
asas estrelas borboletas 
alecrim bem-me-quer e alfazema 

eu te desejo emblema 
deste poema desvairado 
com teu cheiro teu perfume 
teu sabor teu suor tua doçura 

e na mais santa loucura 
declarar-te amor até os ossos 

eu te desejo e posso : 
palavrArte até a morte 
enquanto a vida nos procura 


34.

o tecido do amor já esgarçamos 
em quantos outubros nos gozamos 
agora que palavro itaocaras 
e persigo outras ilhas 
na carne crua do teu corpo 
amanheço alfabeto grafitemas 

quantas marés endoidecemos 
e aramaico permaneço doido e lírico 
em tudo mais que me negasse 
flor de lótus flor de cactos flor de lírios 
ou mesmo sexo sendo flor ou faca fosse 
Hilda Hilst quando então se me amasse 

ardendo em nós salgado mar e Olga risse 
olhando em nós flechas de fogo se existisse 
por onde quer que eu te cantasse ou amavisse 


35.

fosse o que eu quisesse 
apenas um beijo roubado em tua boca 
dentro do poema nada cabe 
nem o que sei nem o que não se sabe 

e o que não soubesse 
do que foi escrito 
está cravado em nós 
como cicatriz no corte 
entre uma palavra e outra 
do que não dissesse 


36.

não fosse o teu amor 
o meu conforto 
e eu teu anjo torto 
como seria 
se a jura secreta 
não fosse mais que um poema 
e se eu não te amasse 
como Glauber no cinema 
o que tenho aqui 
no corpo em transe: a quem daria? 



37.

como alcançá-la plena
no impulso onde universo pulsa
no poema onde estico plumo
onde o nervo da palavra cresce
onde a linha que separa a pele
é o tecido que o teu corpo veste

como alcançá-la pluma
nessa teia que aranha tece
entre um beijo outro no mamilo
onde aquilo que a pele em plumo
rompe a linha do sentido e cresce
onde o nervo da palavra sobe
o tecido do teu corpo desce
onde a teia que o alcançar descobre
no sentido que o poema é prece


38.

a minha língua de fogo
persegue tua língua na fala.
não sei me calar na cozinha
no quarto corredor ou na sala

a minha linguagem de luas
é o que na língua resvala
se tenho os pés calejados
se tenho as mãos inda tontas

e a língua bêbada de noites
dos dias que que miragens não vi
minutos que metáforas se calam
são como favelas vazias
e os olhos perdidos na vala

no líquido que vem das veias
a minha língua se farta
e bebe o teu como água
quando se chupa uma bala


39.

girassóis pousando
nu teu corpo
festa
beija-flor seresta
poesia fosse
esse sol que emana
do teu fogo farto
lambuzando a uva
de saliva doce



40.

meus lábios em teus ouvidos
flechas netuno cupido
a faca na língua a língua na faca
a febre em patas de vaca
as unhas sujas de Lorca
cebola pré sal com pimenta
tempero sabre de fogo
na tua língua com coentro
qualquer paixão re/invento

o corpo/mar quando agita
na preamar arrebenta
espuma esperma semeia
sementes letra por letra
na bruma branca da areia
sem pensar qualquer sentido
grafito em teu corpo despido
poemas na lua cheia


41.

a noite inteira invento joplin na fagulha
jorrando cocker na fornalha
funkrEreção fel fala
fábio parada de Lucas é logo ali
trilhando os trilhos centrais do braZil.

rajadas de sons cortando os ínfimos
poemas sonoros foram feitos para os íntimos
conkretude versus conkrEreção
relâmpagos no coice do coração.

quando ela canta eleonora de lennon
lilibay sequestra a banda no castelo de areia

quando ela toca o esqueleto de Lorca
salta do som em movimento enquanto houver
e federika ensaia o passo que aprendeu com mallarmé

punkrEreção pancada onde estão nossos negrumes?
nunkrEreção negróide nada.

descubro o irado Tião Nunes
para o banquete desta zorra
e vou buscar em Madureira
a Fina Flor do Pau Pereira.

antes que barro vire borra
antes que festa vire forra
antes que marte vire morra
antes que esperma vire porra,
ó baby a vida é gume
ó mather a vida é lume
ó lady a vida é life
!


42.

ouvidos negros Miles
trumpete nos tímpanos
era uma criança forte
como uma bola de gude
era uma criança mole
como uma gosma de grude
tanto faz quem tanto não me fez
era uma ant/versão de blues
nalguma nigth noite uma só vez

ouvidos brack rumo premeditando o breque
Sampa midinigth ou aversão de Brooklin
não pense aliterações em doses múltiplas
pense sinfonia em rimas raras
assim quando despertas do massificado
ouvidos vais ficando dançarina cara
ao ter-te arte nobre minha musa Odara
ao toque dos tambores ecos sub/urbanos
elétricos negróides urbanóides gente
galáxias relances luzes sumos pratos
delícias de iguarias que algum deus consente
aos gênios dos infernos que ardem arte
misturas de comboios das tribos mais distantes
de múltiplas metades juntas numa parte


43.

se eu não beber teus olhos
não serei eu nem mais ninguém
quando tocar tua boca
desço garganta mais além
quando roçar teu íntimo
onde o ser é mais intenso
jura secreta não penso
bebo em teus cios também


44.

por mais que te amar seja uma zorra
eu te confesso amor pagão
não tem de ter perdão prá nós
eu quero mais é teu pudor de dama
despetalando em meus lençóis

e se tiver que me matar que seja
e se eu tiver que te matar que morra

em cada beijo que te der amando
só vale o gozo quando for eterno
infernizando os céus
e santificando a boca do inferno


45.

o que é que mora em tua boca bia
um deus um anjo ou muitos dentes claros
como os olhos do diabo
e uma estrela como guia?

o que é que arde em tua boca bia
azeite sal pimenta e alho

um cheiro azedo de cozinha
tua boca é como a minha?

o que é que pulsa em tua boca bia?

mar de eternas ondas
que covardes não navegam
rio de águas sujas onde os peixes se apagam
ou um fogo cada vez mais Dante
como este em minha boca
de poeta/delirante
nesta noite cada vez mais dia
em que acendo os meus infernos
em tua boca boca bia?


46.

só me queira assim caçado
mestiço vadio latino
leão feroz cão danado
perturbando os eu destino

só me queira enfeitiçado
veloz macio felino
em pelo nu depravado
em tua cama sol à pino

só me queira encapetado
profanando àqueles hinos
malandro moleque safado
depravando os teus meninos

só me queira desalmado
cão algoz e assassino
duplamente descarado
quando escrevo e não assino


47.

meto meus dedos cínicos 
no teu corpo em fossa
proclamando o que ainda possa 
vir a ser surpresa
porque amor não tem essa 
de cumer na mesa
é caçador e caça 
mastigando na floresta 
todo tesão que resta
desta pátria/indefesa.

ponho meus dedos cínicos 
sobre tuas costas 
vou lambendo bostas
destas botas neoBurguesas
porque meu amor não tem essa 
de vir a ser surpresa
é língua suja/grossa/visceral/ilesa 
pra lamber tudo o que possa 
vomitar na mesa e me livrar da míngua
desta língua portuguesa


48.

quero botar no teu orkut
um negócio sem vergonha
um poema descarado
tá chegando fevereiro
e meu Rio de Janeiro
fica lindo mascarado

quero botar no teu e-mail
um negócio por inteiro
que eu não sou Zeca Baleiro
pra ficar cantando a Mama
que ainda tem medo do Papa

meu negócio é só com a Mina
que me trampa quando trapa
meu negócio é só com a mina
que me canta ouvindo o Rappa


49.

ela tinha um jeito gal
fatal – vapor barato
toda vez que me trepava as unhas
como um gato
cantar era seu dom
chegava a dominar a voz
feito cigarra cigana ébria
vomitando doses do seu canto
uma vez só subiu ao palco
estrela no hotel das prateleiras
companheira de ratos
na pele de insetos
praticando a luz incerta
no auge do apogeu
a morte não é muito mais
que um plug elétrico
um grito de guitarra uma centelha
logo assim que ela começa
algo se espelha
na carne inicial de quem morreu


 50.

quando tenso
o poema penso
fio suspenso
no AR

quando teso
o poema preso
peixe surpreso
no MAR



51.

em armação de búzios
tenho um amor sagrado
guardado como jura secreta
que ainda não fiz para laís

em teus cabelos girassóis de estrelas
que de tanto vê-las o meu olho  vela
e o que tanto diz  onda do mar  não leva
da areia da praia onde grafei teu nome

para matar a sede e muito mais a fome
entranhada  na carne como flor de lotus
grudada na pele como tatuagem
flutuando ao vento como leve pluma
no salgado corpo do além mar afora

sargaço em tua boca espuma
onde vivem peixes  - na cumplicidade
do que escrevo agora


52.

não sou iluminista nem pretender 
eu quero o cravo e a rosa 
cumer o verso e a prosa 
devorar a lírica a métrica 
a carne da musa 
seja branca negra amarela 
vermelha verde ou cafuza 

eu sou do mato 
curupira carrapato 
sou da febre sou dos ossos 
sou da Lira do Delírio 
São Virgílio é o meu sócio 

Pernambuco Amaralina 
vida breve ou sempre vida/severina 
sendo mulher ou só menina 
que sendo santa prostituta 
ou cafetina devorar é minha sina 
e profanar é o meu negócio 


53.

Aqui, 
redes em pânico 
pescam esqueletos no mar 
esquadras - descobrimento 
espinhas de peixe convento 
cabrálias esperas 
relento 
escamas secas no prato 
e um cheiro podre no 
AR 

caranguejos explodem mangues em pólvora 
Ovo de Colombo quebrado 
areia branca inferno livre 
Rimbaud - África virgem 
carne na cruz dos escombros 
trapos balançam varais 
telhados bóiam nas ondas 
tijolos afundando náufragos 
último suspiro da bomba 
na boca incerta da barra 
esgoto fétido do mundo 
grafando lentes na marra 
imagens daqui saqueadas 
Jerusalém pagã visitada 
Atafona.Pontal.Grussaí 

as crianças são testemunhas: 
Jesus Cristo não passou por aqui 

Miles Davis fisgou na agulha 
Oscar no foco de palha 
cobra de vidro sangue na fagulha 
carne de peixe maracangalha 
que mar eu bebo na telha 
que a minha língua não tralha? 
penúltima dose de pólvora 
palmeira subindo a maralha 
punhal trincheira na trilha 
cortando o pano a navalha 
fatal daqui Pernambuco 
Atafona.Pontal.Grussaí 

as crianças são testemunhas: 
Mallarmè passou por aqui. 

bebo teu fato em fogo 
punhal na ova do bar 
palhoças ao sol fevereiro 
aluga-se teu brejo no mar 
o preço nem Deus nem sabre 
sementes de bagre no porto 
a porca no sujo quintal 
plástico de lixo nos mangues 
que mar eu bebo afinal? 



54.

terra de santa cruz
ao batizarem-te
deram-te o nome:
posto que a tua profissão
é abrir-te em camas
dar-te em ferro
ouro
prata
rios
peixes
minas
mata
deixar que os abutres
devorem-te na carne
o derradeiro verme

salgado mar de fezes
batendo na muralhas
do meu sangue confidente
quem botou o branco
na bandeira de alfenas
só pode ser canalha
na certa se esqueceu
das orações dos penitentes
e da corda que estraçalha
com os culhões de tiradentes


salve lindo pendão que balança
entre as pernas abertas da paz
tua nobre sifilítica herança
dos rendez-vous de impérios atrás

meu coração
é tão hipócrita que não janta
e mais imbecil que ainda canta:
ou
viram no ipiranga às margens plácidas
uma bandeira arriada
num país que não levanta

só desfraldando a bandeira tropicalha
é que a gente avacalha
com as chaves dos mistérios
dessa terra tão servil
tirania sacanagem safadeza
tudo rima uma beleza
com a pátria mãe que nos pariu

bem no centro do universo
te mando um beijo ó amada
enquanto arranco uma espada
do meu peito varonil
espanto todas estrelas
dos berços do eternamente
pra que acorde toda essa gente
deste vasto céu de anil
pois enquanto dorme o gigante
esplêndido sono profundo
não vê que do outro mundo
robôs te enrabam ó mãe gentil

telefonaram-me
avisando-me que vinhas
na noite uma estrela
ainda brigava contra a escuridão
na rua sob patas
tombavam homens indefesos
esperei-te 20 anos
ate hoje não vieste à minha porta

o poeta estraçalha a bandeira
raia o sol marginal quarta feira
na geléia geral brasileira
o céu de abril não é de anil
nem general é my brazil
minha verde/amarela esperança
portugal já vendeu para frança
e coração latino balança
entre o mar do dólar do norte
e o chão dos cruzeiros do sul

o poeta esfrangalha a bandeira
raia o sol marginal sexta feira
nesta porra estrangeira e azul
que há muito índio dizia:

meu coração marçal tupã
sangra tupy & rock and roll
meu sangue tupiniquim
em corpo tupinambá
samba jongo maculelê
maracatu boi bumbá
a veia de curumim
é coca cola & guaraná

o sangue rola no parque
o sonho ralo no tanque
nada a ver com tipo dark
e muito menos com punk
meu vício letal é baiafro
com ódio mortal de yank

ó baby a coisa por aqui não mudou nada
embora sejam outras siglas no emblema
espada continua a ser espada
poema continua a ser poema



55.


suassuna no teu corpo
couro de cor compadecida
ariano sábio e louco
inaugura em mim a vida

pedra de reino no riacho
gumes de atalhos na pedreira
pétala na mola do moinho
menina dos brincos de pérola
palavra acesa na fogueira

pós os ismos tudo é pós
na pele ou nas aranhas
na carne ou nos lençóis
no palco ou no cinema
a palavra que procuro
é clara quando não é gema

até furar os meus olhos
com alguma cascata de luz
devassa quando em mim transcende
a lamparina que acende
e transforma em mel o que era pus



56.

não.não bastaria a poesia de algum bonde
que despenca lua nos meus cílios
num trapézio de pingentes onde a Lapa
carregada de pivetes nos teus arcos
ferindo a fria noite como um tapa
vai fazendo amor por entre os trilhos

não bastaria a poesia cristalina
se rasgando o corpo estão muitas meninas
tentando a sorte em cada porta de metrô
e nós poetas desvendando palavrinhas
vamos dançando uma vertigemno tal circo voador

não bastaria todo riso pelas praças
nem o amor que os pombos tecem pelos milhos
com os pardais despedaçando nas vidraças
e as mulheres cuidando dos seus filhosnão.

não bastaria delirar Copacabana
e esta coisa de sal que não me engana
a lua na carne navalhando um charme gay
e um cheiro de fêmea no ar devorador
num corpo de anjo que não foi meu deus quem fez

esse gosto de coisa do inferno
como provar do amor no posto seis
numa mistura de feitiço e fantasia
entre as pedras e o mar do Arpoador
em altas ondas de mistérios que são vossos

não.não bastaria toda poesia que eu trago
em minha alma um tanto porca
este postal com uma imagem meio Lorca
um bondinho aterrisando lá na Urca
e esta cidade deitando água em meus destroços
pois se o Cristo Redentor deixasse a pedra
na certa nunca mais rezaria padre nossos
e na certa só faria poesia com os meus ossos



arturgomes