por Ana Maria Costa
O abuso das cesarianas no Brasil é um problema crônico e caracteriza-se como uma das mais importantes medicalizações do parto, mas, nem mesmo assim, até o presente momento foi enfrentado de forma adequada pelo SUS. Comitês de morte materna, limites e taxas de partos cirúrgicos toleráveis foram algumas das estratégias tentadas além de outras ideias como as que advogam pela retirada do parto do ambiente hospitalar.
O recente debate imposto pelos planos de saúde sobre o custo adicional do parto tem clara relação com o problema do excesso das cesarianas no país e, ao mesmo tempo, reflete a lógica mercantil que rege o abandono que as mulheres vivenciam na hora do parto.
O fato das parturientes vinculadas aos planos privados de saúde não contarem com a garantia do atendimento ao parto pelos profissionais que acompanharam o pré-natal é resultado de negligência da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que não regulamentou sobre o tema, permitindo avançar o descompromisso dos profissionais que demandam receber “por fora” para garantir disponibilidade no momento do parto.
Efetivamente, o parto é um procedimento e, como tal, tem um custo para o profissional. Não obstante deve ser garantida a presença do médico assistente do pré-natal sem que isso tenha custo adicional ao que os segurados já pagaram aos seus respectivos planos.
No contexto atual, a assistência prestada ao parto pelos planos de saúde ocorre por meio do plantonista da maternidade e, somente quando as mulheres gestantes pagam a taxa de chamada, elas podem ser assistidas por outro médico. Essa situação gera vulnerabilidade e risco para as parturientes que não contam no momento do parto com o profissional que realizou o seu atendimento pré-natal. O médico que a atende, além da inexistência do vínculo de confiança essencial nesse momento da vida, desconhece detalhes acerca do curso da gravidez ou mesmo da sua situação de saúde, o que comprovadamente contribui para elevar taxas de cesáreas, morbidade e mortalidade materna.
A lógica que hoje prevalece deixa a cargo das mulheres buscar uma solução cuja alternativa única é aquela que ocorre por meio do pagamento adicional de taxas ao médico assistente. É o ônus que é pago pela segurada de um plano de saúde, para fazer valer uma condição que reduz o seu risco obstétrico pelos comprovados benefícios da presença do médico assistente do pré-natal no parto.
No abandono do Estado e das suas instituições reguladoras, as mulheres sobrevivem, sofrem, angustiam-se, adoecem e até morrem sem que outra ética de cuidado se sobreponha àquela da mercantilização da saúde.
Foi nessa perspectiva que o Conselho Regional de Medicina do DF se adiantou e tomou posição favorável à criação e ao pagamento de mais uma taxa que chamou de “taxa de disponibilidade”, a qual seria cobrada das parturientes pela decisão de serem atendidas pelos obstetras que acompanharam o pré-natal. O Conselho Federal apoiou a iniciativa.
Os Conselhos de Ética e Fiscalização do exercício profissional são autarquias criadas com a atribuição de fiscalizar o exercício profissional. Esta delegação do Estado, entretanto, não retira do Estado seu poder-dever de preservar a saúde e o interesse público. Ou, ao menos, não deveria.
Tudo o que as mulheres demandam, em casos como este, é o que a boa prática da assistência obstétrica e o conhecimento científico sempre preconizou: que o médico que realizou o pré-natal acompanhe o momento do parto. Essa condição tem impacto positivo na saúde da mulher e do recém-nascido e, por isso, seria a decisão governamental esperada em tempos de prioridade presidencial à política da Rede Cegonha .
A ANS ainda não regulamentou o tema que, por suas repercussões sobre a saúde das mulheres, requer urgência. Mas qual regulamentação seria necessária para preservar a saúde e os direitos das mulheres? Um caminho eticamente defensável seria sustentar o direito ao produto adquirido dos Planos de Saúde ou seja, a “saúde”. Nessa perspectiva, não se podem admitir novas taxas e cobranças adicionais apenas para garantir, no parto, a óbvia presença dos profissionais que atenderam a paciente durante o pré-natal. Se houver pagamento a tais profissionais, que sejam feitos pelos planos, sem qualquer cobrança, direta ou indireta, às usuárias dos planos de saúde.
É injusto penalizar mais uma vez as famílias e as mulheres, cujo ônus com a saúde tem sido, no seu conjunto, bem maior que o gasto público. E a ANS e o governo não podem permitir que a mercantilização do parto implique em um risco a mais para a saúde e a vida das mulheres e recém-nascidos brasileiros.
Ana Maria Costa é médica, doutora em Ciências da Saúde e presidente do Cebes — Centro Brasileiro de Estudos em Saúde.
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