Para proteger o coração,
a memória esquece.
Arlete Sendra
Penso que o homem mora dentro do futuro. Se o hoje é o futuro do ontem, portanto, o futuro do que foi – o ‘ser sido’–, o homem está dentro do futuro. Se o amanhã é o futuro do hoje, portanto do que é – do ‘estar em situação’–, estamos morando no futuro do ontem porque o hoje é o amanhã do ontem. E se para chegar ao futuro do amanhã, o futuro do será, o homem tem que estar ‘a caminho de’, estar em trânsito, ele já saiu do hoje e adentrou por terras amanhãs. E se está ‘a caminho de’, quer como flaneur, quer como zíngaro, está em terras do será, do ‘por vir’. E estando em caminhos, e por caminhos, ele está em estado de risco, porque o compasso de seus passos pode, em um determinado momento, desritimar dos ritmos dos passos e dos compassos daqueles que com ele estão ‘a caminho de’. E isto explica muita coisa!
Para ser ser em trânsito, o homem tem que conjugar o verbo futurar. E aqui os homens se dividem: uns domesticam sua existência e, numa letargia sem horizontes, vivem uma vida sem perspectiva, se obstinam no ‘ser sido’. e se tornam contemporâneos do passado. Esses, o futuro não os inclui em seus sonhos. Os mais ousados conjugam o verbo futurar no presente: eu futuro. Bandeirantes cósmicos, estes homens enveredam por imprevisíveis e, muitas vezes, inóspitos horizontes. E porque vivem tempos líquidos, marcados pelo efêmero, pelo frágil e a linha de horizontes se afaste sempre à medida que dela se aproximam, o estar em trânsito dá significação a seu por-vir. Ulisses da modernidade líquida, o homem dá a seu futuro uma significativa relevância ainda que esse futuro esteja atrás do atrás dovisível. Em trânsito, o homem libera seu corpo para as sensações, liberta da mente as emoções e deixa transbordar do espírito os sentimentos. E assume a coragem de ser.
Ainda que o futuro seja uma ficção, é ele que acena ao homem a possibilidade de uma outra vida possível de viver. E o homem o busca porque acredita encontrar nele respostas para as inquietações que o tiram de si mesmo e o desestabilizam. ‘A caminho de’, o homem transcende limites, transcende rígidas convenções, explora as fronteiras entre realidade e fantasia, entre consciente e inconsciente, vertentes complementares do ser.
Estando ‘a caminho de’, o homem se aproxima de seus enigmas, não para neles penetrar ou para os decifrar mas, pela proximidade, ser por eles tocado, e assim desenredar suas paisagens interiores. Ao transitar ‘a caminho de’, em trilhas e retrilhas, o homem submerge nos recônditos de seu eu e converte essa experiência em linguagem que no ritual da vida se torna poesia. Tempo a ser desvirginado, tempo a ser inaugurado, o futuro não é ali. É aqui. É agora,
Arlete Sendra Arlete Sendra é graduada em letras clássicas (português, latim e grego), é Mestre em Literatura Brasileira, Doutora em Literatura de Língua Portuguesa, e Pós-doutorada em semiótica. Atualmente, Arlete é docente e pesquisadora da Universidade Estadual do Norte Fluminense - UENF e Presidente da Academia Campista de Letras. | fonte: www.jornalmaniadesaude.com.br |
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