Sob aplausos, músicos e amigos dão adeus a Paulo Moura
Um dos mais importantes instrumentistas do Brasil, Moura morreu na segunda-feira (12), aos 77 anos, vítima de um câncer no sistema linfático
Foi sem música, mas com aplausos, que familiares, músicos, artistas, gente famosa e anônima, se despediu do maestro, clarinetista e saxofonista Paulo Moura. Ele foi velado nessa quarta-feira (14) no Teatro João Caetano, na Praça Tiradentes, Centro do Rio, palco de muitos de seus shows.
A despedida musical ocorreu no último sábado, com Moura ainda vivo, no quarto da Clínica São Vicente, na Gávea, onde ele estava hospitalizado. A viúva de Moura, a psicanalista Halina Grynberg, contou que ela e um grupo de amigos, entre os quais o sobrinho Gabriel Moura, o tecladista Wagner Tiso, e o violonista Marcelo Gonçalves, fizeram um sarau. “Achamos que ia fazer bem para ele ouvir música. Cantamos, conversamos e, de repente, ele pediu o clarinete. Pensei que estava de brincadeira, mas ele tocou e surpreendeu a todos”. Com os amigos, Moura tocou pela última vez. Foi “Doce de Coco”, de Jacob do Bandolim e Hermínio Bello de Carvalho.
Paulista de São José do Rio Preto, onde nasceu em 15 de julho de 1932, Moura era considerado um dos maiores instrumentistas da música brasileira. Ganhou seu primeiro clarinete aos 8 anos e aos 11 anos começou a acompanhar o conjunto de seu pai em bailes populares. Tocou com grandes nomes como Ary Barroso, Tom Jobim, Elis Regina, Paulinho da Viola, Elis Regina e Marisa Monte.
Também acompanhou astros internacionais como Lena Horn, Cab Calloway, Nat King Cole, Ella Fitzgerald, Cannonball Adderley, Sammy Davis Jr e Marlene Dietrich. Com mais de 40 discos lançados, ele ganhou o Grammy em 2000 por seu disco “Pixinguinha: Paulo Moura e os Batutas”.
“Levei o maior susto. Há duas semanas atrás eu o vi. Estava sorridente. Ele era um camarada sem fronteiras. Foi um dos primeiros que me receberam quando cheguei. Ele me abraçou como a um irmão. Vim com uma música diferente e ele não se importou”, lembrou Milton Nascimento, que se apresentou no João Caetano com Moura no espetáculo "Milagre dos Peixes", em 1971. O cantor chegou ao velório por volta das 15h30 e foi cumprimentar familiares.
O teatro foi aberto às 11h para a cerimônia. Halina Grynberg e o filho do casal, Domingos, colocaram em cima do caixão um chapéu do músico e, em frente, um quadro com o retrato de Moura. O caixão ficou o tempo todo fechado. “O chapéu era como uma coroa que ele carregava”, afirmou Halina. Flores e uma bandeira da Imperatriz Leopoldinense também ornaram o caixão.
A atriz e cantora Zezé Motta considerou a morte do músico uma “perda para o mundo”. Zezé e Moura participaram do CD “Quarteto Negro”, lançado em 1988, ano do centenário da abolição da escravatura no país.
Amiga de longa data, Alcione lembrou de momentos felizes com o clarinetista. “Ele dizia que eu tinha um pandeiro no peito. Estreamos a série Seis e Meia no Teatro João Caetano”, recordou.
O poeta campista Artur Gomes, amigo do músico de longa data, afirma que em 1988, quando estava dirigindo uma Oficina de Criação Literária na UNESP(Universidade Estadual de São Paul0), em São José do Rio Preto, pode desfrutar de um outro dote do mestre Paulo Moura, a sua maestria também na culinária. Além do gênio musical que foi, afirma o poeta, ele sabia como ninguém preparar um virado paulista. Não apenas o Brasil perde uma "pérola negra", mas todo o planeta. conluiu o poeta.
Após o velório, o corpo de Moura seria levado para ser cremado, numa cerimônia restrita à família no cemitério do Caju, na zona portuária do Rio. Paulo Moura tem uma música inédita gravada com o sobrinho Gabriel Moura que deve ser lançada em breve com o título “Ao velho Pedro”.
Paulo Moura (1932–2010)
Uma forte rajada sobre a cidade do Rio de Janeiro anunciava à noite o desfecho de uma lenta agonia... No sábado, dia 10 de julho, Paulo Moura ainda conseguiu reunir forças para tocar uma última música – "Doce de Côco", de Jacob do Bandolim e Hermínio Bello de Carvalho – com seu parceiro de longa data Wagner Tiso, ao lado de sua mulher Halina, o filho Domingos, o sobrinho Gabriel, amigos e admiradores, e alguns pacientes da Clínica São Vicente, maravilhados com aquela inusitada e comovente celebração musical, organizada pelos músicos Cliff Korman e Humberto Araújo.
Uma réstia de sol fazia da folhagem das jaqueiras um cenário cintilante para a varanda do hospital. O maestro, sereno e sorridente, vestia uma camisa azul e cobria as pernas inchadas e inertes com um manto púpura. Lembrei-me da última estrofe de um poema que lhe dediquei alguns anos atrás, homenagem diminuta e insuficiente frente à imensa alegria que sua música me proporcionara e ao doce convívio que tive o privilégio de gozar:
mistura e manda o maestro pra lá das bandas do rio preto: aéreo conduz e sopra por onde zoar o pássaro azul púrpura
Ele se foi na calada da noite, sua memória, no entanto, não há de se calar jamais em nossos corações e ouvidos. Paulo Moura não passou, não passará: virou pássaro alvissareiro... para todos e para sempre.
André Vallias
Rio, 13 de julho de 2010
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