por Conceição Lemes
Diz a lenda que as tribos de Munducurucânia eram as mais prósperas. Venciam todas as guerras, apanhavam os melhores peixes e as doenças eram raras.
Tudo isso por causa de um curumim, que nascera naquela tribo havia alguns anos. Era o mais protegido. Nas pescas era acompanhado por muitos pescadores, que afastavam dos rios piranhas, jacarés ou qualquer outro perigo. Mas, certo dia, o Gênio do Mal apareceu em forma de cascavel e feriu o garoto. A tribo entrou em desespero.
Tupã, deus dos indígenas, atendeu os lamentos e disse:
– Tirem os olhos do curumim, plantem em terra firme e reguem com lágrimas durante quatro luas. Ali, nascerá a “planta da vida”, ela dará força aos jovens e revigorará os velhos.
Os pajés não tiveram dúvida. Fizeram o que Tupã recomendou. Nasceu uma nova planta, travessa como as crianças, com hastes escuras e sulcadas como os músculos dos guerreiros da tribo. Quando ela frutificou, seus frutos eram negro azeviche, envoltos de um arilo branco com duas cápsulas vermelho-vivas. Diziam os indígenas:
– É a multiplicação dos olhos do príncipe!
O fruto trouxe progresso à tribo. Ajudou os velhos e deu mais força aos guerreiros.
Esse fruto é o guaraná (Paullinia cupana), planta nativa da Amazônia muito usada na medicina popular como estimulante. Essa propriedade medicinal se deve à guaraína, a cafeína do guaraná. A semente é muito rica nessa substância.
Pois uma pesquisa do Departamento de Oncologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do ABC descobriu que o guaraná reduz a fadiga, ou cansaço, em mulheres com câncer de mama fazendo quimioterapia. O sintoma é freqüente, tem impacto na qualidade de vida e ainda não há uma terapia padrão para tratá-lo.
“Nós sabíamos que o guaraná é um tônico, os estudantes usam-no para combater fadiga, se manter acordados, para estudar de madrugada”, conta o oncologista e professor Auro Del Giglio, coordenador do estudo. “Resolvemos então verificar se aliviaria a fadiga nas pacientes com câncer de mama, que atinge 50% a 80% delas.”
A fadiga pode decorrer da quimioterapia. Aparece também nos casos em que o tumor é diagnosticado em estado avançado. A pessoa sente cansaço, fica prostrada.
“A fadiga relacionada ao câncer é diferente da que se manifesta na depressão”, explica Del Giglio. “Na da depressão, a pessoa não tem vontade de fazer as coisas. Já na do câncer, a pessoa tem vontade de fazer as coisas, mas não consegue.”
EFICAZ, NÃO TÓXICO E BARATO
O estudo envolveu 75 mulheres em tratamento de câncer de mama no Ambulatório de Oncologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do ABC. Todas sentiam cansaço crescente após o primeiro ciclo de quimioterapia.
Foram divididas em dois grupos. Um, integrado por 32 pacientes, recebeu 50 mg de extrato de guaraná, duas vezes por dia, durante 21 dias. O outro, com 43 pacientes, recebeu placebo (produto com aparência do guaraná verdadeiro, mas sem nenhuma substância ativa).
As mulheres também responderam questionários no dias 1, 7, 14 e 21 após o início do tratamento para avaliar o nível de fadiga. Ao final, 66% das pacientes do primeiro grupo relataram melhora, contra 13% do grupo que recebeu placebo.
“Ainda desconhecemos como o guaraná age nessas pacientes, apenas sabemos que funciona”, expõe Del Giglio. “Uma das hipóteses a diminuição do cansaço seria o efeito estimulante da cafeína [2% a 5%], que atua no cérebro. Mas talvez não seja, já que o café também contém cafeína [1% a 2,5%] e não produz os mesmos resultados.”
Os efeitos colaterais foram mínimos e não se verificou insônia nem ansiedade nas pacientes tratadas com o guaraná.
“Além de eficaz e não ser tóxico, o guaraná é barato, por isso a nossa ideia agora é avaliar o seu uso em pacientes com outros tumores”, conclui o oncologista. “Pretendemos investigar também o mecanismo que faz com que essa planta atue no cansaço de pacientes oncológicos.”
— Como o médico descobre se a prostração é devido à depressão ou ao câncer e/ou quimioterapia?
“É preciso analisar os demais sintomas”, afirma o oncologista Auro Del Giglio. “Na dúvida, trata-se primeiro a depressão. Caso não haja melhora, é possível que o cansaço seja devido ao câncer.”
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