segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Um drama que não entendemos

Por Diana Cariboni, Terramérica*

Apesar das evidências científicas e da sucessão de desastres meteorológicos em todo o planeta, a mudança climática permanece afastada das prioridades nacionais e internacionais

Cancún, México 13 de dezembro (Terramérica).- “Somos o país mais frio do mundo…, por isso o aquecimento global é bom para nós. Quanto mais quente, mais colheitas… Fala-se em deter o desmatamento das florestas tropicais para combater a mudança climática, mas não temos florestas tropicais. A franqueza do legislador russo Viktor Shudegov expôs uma verdade “incômoda”: a ainda escassa consciência sobre o aquecimento global, em uma reunião paralela à conferência sobre mudança climática que teve o México como anfitrião, entre 29 de novembro e 10 de dezembro.

Viktor sintetizou como é difícil para a opinião pública de um país como a Rússia assumir o desafio da mudança climática, apesar de, segundo os cientistas, tratar-se do mais sério problema mundial enfrentado pela humanidade neste século. Esta dinâmica, na qual predominam os problemas domésticos “urgentes”, como a crise econômica que afeta quase todo o mundo rico, faz patinar uma e outra vez as tentativas de adotar uma norma mundial e obrigatória para reduzir a contaminação que causa o aquecimento global.

A 16ª Conferência das Partes (COP 16) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática, que aconteceu no balneário mexicano de Cancún, não foi exceção. Uma das forças motoras da negociação conduzida pela Organização das Nações Unidas busca atrair, há anos, o setor privado, oferecendo cada vez mais oportunidades de negócios na ainda débil “economia verde”. A inclusão dos sistemas de captura e armazenamento de carbono entre os mecanismos financiáveis para reduzir a emissão de gases causadores do efeito estufa é uma mostra desta tendência.

Trata-se de capturar o dióxido de carbono, um gás-estufa, e depositá-lo em “sumidouros”, que podem ser oceanos, florestas ou o subsolo. Os que investirem nestes negócios estariam em condições de comercializar direitos de emissão no mercado de carbono. Para ambientalistas e cientistas, impulsionar este mercado de carbono é uma fuga para a frente.

“Esta tecnologia não foi testada, não está pronta para ser colocada em prática. É outra forma de afastar-se das energias renováveis e das ações de mitigação”, disse ao Terramérica o nigeriano Nnimmo Bassey, presidente da rede ecologista Amigos da Terra Internacional. “O que é enfrentar o aquecimento? Reduzir a emissão de dióxido de carbono na atmosfera. Então, por que não deixamos o carbono aonde ele pertence…, no solo?”, questionou Nnimmo, que acaba de receber o Right Livelihood Award.

Os gases-estufa são liberados pela queima de petróleo, gás e carvão, pelo desmatamento, pela agropecuária, a conversão de solos silvestres em agrícolas e pela produção industrial. Os grandes poluidores, liderados por China e Estados Unidos, não conseguem chegar a um acordo sobre uma meta mundial de redução de gases que permita manter o aumento da temperatura média em menos de dois graus. Se esse limite for ultrapassado – dizem os cientistas – o clima do planeta chegará a um “ponto de inflexão” que desataria mudanças catastróficas.

Adotar uma economia verde, ou baixa em carbono, implica principalmente modificar a forma como boa parte da humanidade concebe a atividade econômica. À primeira vista, é mais fácil começar por deter o corte de florestas, responsável por 18% das emissões mundiais de gases-estufa. A iniciativa REDD+ (Redução de Emissões de Carbono Causadas pelo Desmatamento e pela Degradação das Florestas), que despertou enorme atenção na COP 16, prevê que os países ricos financiem estas ações efetuadas em nações em desenvolvimento, beneficiando os atores locais, sobretudo as comunidades camponesas e indígenas.

A REDD+ atrai “tanto países ricos como nações com florestas” para um tipo de “intercâmbio de carbono” que permite aos ricos “continuar contaminando” e aos países com florestas “conseguir algum dinheiro”, disse Nnimmo. Não é conservação verdadeira, mas uma forma de “reduzir emissões”. Quando uma floresta for incluída neste mecanismo, as comunidades locais serão impedidas de usá-la como faziam antes para sua subsistência, “pois, seja quem for que esteja nela, deverá garantir a retenção do carbono, que será medido e avaliado”, acrescentou.

A chave é estabelecer um sistema de controles claros, afirma a advogada Adrianna Quintero, do Conselho para a Defesa de Recursos Naturais (NRDC), uma organização ecologista norte-americana. Para cumprir a “meta de conservação é crítica a supervisão e a transparência, o mesmo valendo para assegurar o respeito dos direitos de indígenas e camponeses”, disse Adrianna ao Terramérica.

Apesar de tudo, o sistema de negociações das Nações Unidas continua sendo o único possível. “O processo diplomático é um pouco lento”, mas de que outra maneira podem ser levados em conta os interesses e as posições dos 192 países da Convenção?, perguntou Adrianna. Para ela, as posições aproximaram-se muito para chegarem a um terreno comum que sirva de base para um tratado amplo. E boa parte do avanço se deve ao fato de o governo anfitrião, o México, ter conduzido as negociações não apenas em Cancún, mas durante todo o ano.

Um pilar deste terreno comum é a entrega de fundos aos países pobres para enfrentarem as novas realidades meteorológicas, adotarem novas tecnologias e resolverem as enormes perdas causadas por desastres naturais. Nisto, novamente enfrentam-se interesses. Na COP 15, realizada há um ano em Copenhague, foi prometida a entrega de, pelo menos, US$ 30 bilhões por ano, e “nem mesmo essa quantia foi cumprida”, recordou Nnimmo.

“Os países ricos fizeram todo o possível para mobilizar dinheiro, já comprometido como ajuda, para empréstimos como forma de lucrar com a miséria das nações pobres golpeadas pelo aquecimento global”, acrescentou o ecologista. Não se trata de buscar dinheiro, mas de os ricos “pagarem sua dívida climática”, afirmou. As nações europeias “colonizaram durante anos a atmosfera com suas emissões de carbono”, ressaltou.

Entre a justiça climática pedida por Nnimmo e o caminho do “possível”, que seguem as negociações oficiais, há uma enorme distância. E a questão central – como frear a contaminação – continua sendo inabordável e deverá esperar mais um ano, pela COP 17. “As nações mais poderosas não dão atenção à física nem à química”, disse em um pronunciamento o fundador da campanha 350.org, Bill McKibben.

A sociedade civil não é “suficientemente grande para derrotar a indústria dos combustíveis fósseis e seus aliados, mas estamos crescendo”, disse Bill. “Qual é o sentido destas reuniões de duas semanas? Não vamos a parte alguma, e isto mostra a falta de reconhecimento da gravidade da crise”, disse Nnimmo. “Quando os impactos se multiplicarem além do ponto de inflexão, nem mesmo os ricos escaparão do desastre”, alertou.

* A autora é correspondente da IPS.

Em busca das virtudes climáticas do bambu
http://www.tierramerica.info/nota.php?lang=port&idnews=3672

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